Três perguntas: o 5G, o leilão, a espionagem e a soberania

Por Jorge Priori.

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Torre de antenas 5G (Foto: ABr/arquivo)
Torre de antenas 5G (Foto: ABr/arquivo)

O leilão do 5G deverá ocorrer no segundo semestre de 2021. Seu edital foi liberado pela Anatel no final de fevereiro e encontra-se em análise no Tribunal de Contas da União. Considerando a importância desse processo, conversamos com Vladimir de Paula Brito, doutor em Ciência da Informação, sobre a importância do 5G e o que se pode esperar dessa tecnologia; a organização do leilão e se existe cabimento quando se aventa a possibilidade do governo brasileiro restringir a participação da Huawei como fornecedora de equipamentos.

Essa resposta deve ser lida com muita atenção, pois Vladimir ressalta a necessidade do Brasil ter uma política de desenvolvimento de tecnologia nacional em questões-chaves. Por mais que se fale da China, ele relembra o caso confirmado de espionagem dos Estados Unidos sobre o governo brasileiro e a Petrobras que veio à luz com as denúncias de Edward Snowden em 2013.

 

Qual a importância do 5G? O que podemos esperar dessa tecnologia?

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É extremamente importante pelo contexto em que surge. Primeiramente, existem os ganhos de rapidez, em que esta deverá alcançar 50 ou 100 vezes mais que a celeridade atual. Neste sentido, a velocidade por si mesma acelera processos, aumentando a produtividade de transações financeiras, comunicações por vídeo, entretenimento, dentre diversos outros.

Mas, para além disso, o verdadeiro impacto do 5G se dará por seu caráter integrador, uma vez que é uma tecnologia com a função de integrar outras tecnologias. A Internet das Coisas, o Bigdata, a inteligência artificial, são exemplos de tecnologias que evoluíram bastante, mas sofrem limitações pelas restrições de pontos de conexão em rede e da banda disponível para esta. Na medida em que o 5G se torne realidade, este conjunto de ferramentas começará a desenvolver plenamente suas potencialidades e a interagir entre si.

Aí, de fato, as mudanças liberadas pelo 5G poderão adquirir, em médio prazo, um cunho revolucionário. Fábricas e cidades inteligentes, carros e aviões não tripulados, exames complexos a distância, plantações totalmente monitoradas, dentre uma gama enorme de transformações e rupturas.

 

Como será organizado o leilão do 5G?

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) publicou a minuta do edital para o leilão do 5G, tendo o enviado para análise do TCU, que possui até 150 dias para fazê-lo. Na minuta, a Anatel estabeleceu que as redes em 5G no Brasil se iniciarão a partir das maiores capitais, 300 dias após a regularização contratual. Uma estimativa otimista do governo seria de julho/agosto de 2022. Em um segundo momento, a operação será iniciada nas cidades com mais de meio milhão de habitantes. Estima-se que este segundo momento será encerrado em julho de 2026. Neste período final, as redes 5G começariam a chegar em cidades com menos de 30 mil habitantes.

Com o objetivo de assegurar a baixa latência, que é fundamental para a implementação da Internet das Coisas, a Anatel estipulou a construção de uma rede inteiramente nova, em que grande parte da infraestrutura tecnológica terá que ser quase inteiramente renovada. O chamado “5G pleno”. As empresas vencedoras também terão que garantir fornecimento de banda em rodovias e na Região Amazônica, bem como em cidades com menos de 30 mil habitantes.

A Anatel prevê a licitação para uso com 5G de 4 blocos de espectro, a saber: 700 megahertz (MHz); 2,3 gigahertz (GHz); 3,5 GHz; e 26 GHz. O bloco de 3,5 GHz será o inicial, por pretensamente exigir menos investimentos. Por outro lado, o bloco de 26 GHZ tenderá a exigir aumento da infraestrutura, com um número maior de antenas a serem instaladas se comparada à tecnologia anterior do 4G.

Mediante portaria do Ministério das Comunicações, as empresas vitoriosas do leilão deverão construir uma rede privativa para o Governo Federal. No documento é estabelecida a previsão de uma rede móvel no DF e rede de fibra óptica para as demais regiões brasileiras.

 

Em algumas oportunidades se aventa a possibilidade de o governo brasileiro restringir a participação da Huawei como fornecedora de equipamentos 5G. Na sua opinião, essa possibilidade tem cabimento?

Esta possibilidade parte da presunção de que a Huawei seria controlada de fato pelo governo chinês. Por conseguinte, a empresa permitiria que as agências de espionagem do seu país utilizassem seu equipamento para inserir implantes programados para espionar ou sabotar. De fato, é uma hipótese bastante provável, tendo em vista o conjunto de incidentes relacionados à China e a prática de espionagem sobre os Estados Unidos e Europa ocidental.

Todavia, este viés é acentuadamente parcial, vez que simplesmente desconsidera a ampla espionagem norte-americana (comprovada) sobre o governo brasileiro e a Petrobras, conforme as denúncias de Edward Snowden. Os EUA centralizam uma ampla gama de alianças de espionagem cibernética em escala mundial, envolvendo os países anglo-saxônicos, os aliados europeus da Otan e aliados asiáticos. O Brasil não compõe nenhuma destas alianças e sequer possui uma agência voltada para a espionagem de sinais no exterior. Ou seja, é tão somente uma vítima, praticamente indefesa.

Tendo em vista este contexto, caberia, sim, permitir todos os competidores na rede mais ampla, e efetuar restrições de acordo com a política de segurança na rede governamental. Justamente a política adotada pela Anatel. Todavia, em médio prazo, a rede “segura” do governo somente terá sentido estratégico se começar a ser populada por tecnologia nacional em questões-chave, como criptografia. Isto exige do Estado políticas de indução do desenvolvimento, que promovam empresas e tecnologias nacionais.

Um excelente exemplo seria o próprio modelo norte-americano, que passou várias décadas investindo pesadamente no Vale do Silício até chegar ao estado da arte, e, posteriormente, passou a defender a abertura radical dos mercados de telecomunicação. Em países desenvolvidos, até o liberalismo é uma questão de contexto. No entanto, a presente agenda neoliberal nacional permite supor que isso não ocorrerá, vez que projetos de desenvolvimento como o 5G Brasil aparentemente foram descontinuados em prol da redução tributária, que seria apontada como o principal desafio a ser vencido. Ou seja, permanecendo o país indefinidamente como um grande consumidor, continuará dependendo de tecnologias que sempre poderão conter implantes maliciosos.

Também seriam fundamentais medidas de defesa ativa, como a criação de uma agência de inteligência de sinais brasileira, que possa identificar os países e organizações que de fato atuem espionando sobre as redes nacionais. Este mecanismo daria uma base analítica real para o governo retaliar de forma justificada, inclusive com restrições de acesso ao mercado.

Quanto ao risco envolvido pela inação atual, aqui vale lembrar que para além da espionagem econômica, as agências de inteligência atuam sabotando processos produtivos. Assim, quanto maior a integração produtiva brasileira, maior o risco de medidas que objetivem tanto roubar tecnologias quanto solapar processos. No tocante a sabotagem, muitas vezes é realizada em uma escala que simula propositalmente a mera incompetência, em que são provocadas diminuições de produtividade em pequena escala, mas suficientes para a perda completa de mercados. Sua detecção pela empresa, de maneira individual, é quase impossível. Por maior que seja, a organização produtiva estará enfrentando um Estado estrangeiro, com recursos quase infinitos a sua disposição.

Em síntese, o conjunto de políticas no tocante a partição da rede governamental e fragmentação das áreas licitadas, e até mesmo a exclusão da Huawei da rede restrita, seriam adequadas se integradas a promoção da indústria tecnológica nacional e a criação de aparatos que defendam a nação do que advirá, localizando quem são os inimigos do país por suas práticas, não por inferências. Aparentemente, nacionalistas e neoliberais impulsionam políticas paralelas no âmbito do Governo Federal, que se sabotam e se anulam, criando na prática um panorama de difícil compreensão, que faz parecer ao público leigo mera perseguição ao restringir uma empresa em particular.

Os chineses espionam, os EUA e Europa espionam, mas no final das contas, no futuro nos interessará saber quem o faz no Brasil. Com a capacidade de identificação destes atores, se alcançaria a legitimidade aos olhos da sociedade brasileira e das demais nações para a expulsão total do mercado nacional. Com o desenvolvimento nacional, parte destas soluções seriam substituídas por tecnologia confiável.

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