Três perguntas: o Brasil e a questão dos juros reais x juros nominais

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Jason Vieira (foto divulgação Infinity)
Jason Vieira (foto divulgação Infinity)

Conversamos com Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset Management, sobre a questão dos juros reais e nominais no Brasil, nos Estados Unidos e na Argentina. Essa entrevista tem como referência o Ranking Mundial de Juros Reais divulgado pela Infinity no mês de setembro.

 

Na sua avaliação, por que o Brasil precisa ter os juros reais mais altos do mundo?

O Brasil não precisa ter os juros reais mais altos do mundo. Isso ocorre por uma questão meramente matemática. Nós temos uma taxa nominal que se antecipou ao restante do mundo por conta do movimento do Banco Central ao baixar a Selic a 2%. Nós sabíamos que isso iria gerar um overshooting de juros, uma elevação bastante intensa para compensar os juros que foram colocados muito baixos lá atrás.

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A partir de maio deste ano, nós tivemos a inflação ganhando pico e o Banco Central começando a desenhar o que seria o fim do aperto monetário. Ele não fez isso antes por conta da elevação dos juros um pouco mais forte nos Estados Unidos, até de forma a compensar o nosso rendimento de juros comparado aos juros americano. Agora, o Banco Central entendeu que não só há sinais de ancoragem das expectativas futuras de inflação, como, efetivamente, essas ancoragens estão demonstrando expectativa de inflação decadente.

A taxa de juros real é simplesmente o desconto da inflação futura em relação à perspectiva de uma taxa nominal ou, efetivamente, as taxas a mercado que estão sendo operadas naquele momento. Quando observamos por esse prisma, ter uma taxa de juros real tem que ser interpretado sempre pela perspectiva de dois indicadores: a taxa nominal e a inflação futura projetada.

Se você tem uma inflação futura projetada e começa a ter um processo de cadência da inflação, a taxa de juros real nos próximos meses, provavelmente, vai ser maior sem que o Banco Central faça nada. Isso por causa dos efeitos da política monetária agindo na economia e fazendo com que haja contração da inflação. Como a taxa de juros vai permanecer estável nos próximos meses, a taxa de juros real vai começar a abrir daqui em diante.

 

Muito se discute com alarde o aumento de juros nos Estados Unidos como forma de combater a inflação, mas os juros reais americanos são negativos (-1,32%). É possível combater a inflação com juros reais negativos?

Essa discussão vai muito em torno da questão da existência de um juros neutro. Se pegarmos o que chamamos de regra de Taylor, a expectativa dos juros americanos faria com que eles estivessem agora em 5% para combater a inflação que está ocorrendo lá.

A taxa real negativa americana não é uma preocupação em relação ao combate à inflação. Ela significa que você simplesmente tem uma inflação que demanda mais juros. Ou seja, a taxa real está negativa porque o Fed não conseguiu debelar a inflação, o que indica que existe um trabalho a ser feito.

Obviamente, você não precisa chegar a taxa de juros reais positiva para debelar a inflação. Isso não é uma condição sine qua non. Como eu sempre digo, a taxa de juros real fala muito mais sobre investimento do que política monetária.

O investidor estrangeiro observa com muito mais cuidado a taxa de juros real do que o formulador de política monetária. Por exemplo, um investidor estrangeiro vai olhar a taxa de juros real brasileira em comparação à americana. Os Estados Unidos, com uma taxa de juros negativa, mesmo sendo uma economia de primeiro mundo e de baixo risco, rende muito menos que o Brasil que tem um risco mediano. O investidor pode preferir tomar o risco brasileiro.

Na questão da política monetária, obviamente, os bancos centrais observam a percepção de taxa de juros porque sempre se trabalha a taxa de juros neutra, ou seja, a taxa de juros real zero. Se os Estados Unidos elevassem a taxa de juros a 7%, isso seria semelhante ao que aconteceu quando tivemos o que ficou conhecido como Volcker Moment, quando Paul Volcker, presidente do Fed de 1979 a 1987, jogou os juros americanos para 20%. Toda vez que se diz que há uma perspectiva de inflação descontrolada, há uma inflação que demandaria Volker Moment. A inflação nos Estados Unidos está batendo os volumes que bateu em 1982, há 40 anos.

Isso foi uma briga monstruosa lá atrás. Como o Fed é independente, Paul Volcker saiu de Jimmy Carter (presidente de 1977 a 1981) para Ronald Reagan (presidente de 1981 a 1989), jogou os juros a 20% e deixou o presidente dos Estados Unidos “p” da vida. O que acontece agora é que, muito provavelmente, esse não é o viés desse Fed, que tem um viés dovish, ou seja, dificilmente esse Fed vai levar a taxa à neutralidade. No mínimo, ele deveria elevá-la a 5%, mas já sinalizou que, provavelmente, vai elevar abaixo disso. Eles vão operar com uma dificuldade grande nesse combate à inflação, já que o problema deles é um pouco mais grave.

Lá atrás, quando Paul Volcker pegou o problema, ele foi e resolveu. Agora, o Fed está enrolando desde setembro do ano passado. Desde então, ele disse que a inflação era transitória, que ela havia chegado no pico, que o pico era no mês seguinte, que a culpa era da Rússia, depois a culpa passou a ser da China, e aí veio a Janet Yellen, secretária do tesouro americano, dizer que se havia cometido um erro grave ao se manter a taxa de juros baixa, já que no afã de se manter os empregos, eles haviam criado inflação. Em maio deste ano, o Fed admitiu que havia perdido o controle da inflação.

A taxa de juros americana vai continuar subindo já que o Fed não tem mais desculpas para dar, sendo que nem sequer eles chegaram na taxa neutra. No caso do Brasil, nós já passamos da taxa neutra e estamos, literalmente, no que se chama uma taxa contracionista. Aliás, o Banco Central já admitiu que nós estamos numa taxa altamente contracionista, que deve permanecer assim por um período suficientemente longo até que os efeitos de política monetária entrem na economia.

 

Se pegarmos o exemplo da Argentina, o nosso vizinho tem a economia bagunçada com juros nominais de 75% a.a., mas juros reais projetados de 2,01% para os próximos 12 meses. Já no Brasil, cuja economia é tida como mais organizada, os juros nominais são de 13,75% a.a e os juros reais são de 8,22% projetados para os próximos 12 meses. Existe alguma explicação lógica para isso?

A explicação lógica é que a inflação argentina é abusiva e eles não estão conseguindo controlá-la. A tendência é que esses juros possam ficar negativos. No Brasil, nós temos a situação contrária. Nós conseguimos debelar a inflação, que está em decadência, e com isso o resultado é um juros real mais alto. A Argentina é o pior dos casos: inflação descontrolada sem que os investidores tenham o mínimo de rendimento.

Nós também temos o caso da Venezuela, que não colocamos no ranking. A situação venezuelana é tão absurda que os juros reais são tão negativos que distorcem os números gerais. A Venezuela tem uma taxa nominal monstruosa, disparada a maior do mundo, com um juros real ultranegativo. A taxa de juros venezuelana é elevada, ruim, não consegue combater a inflação e não consegue atrair investidores estrangeiros, já que não há segurança institucional para se colocar dinheiro lá.

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