Três perguntas: o mercado brasileiro de cannabis e suas perspectivas

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Marcelo De Vita Grecco (foto divulgação Green Hub)
Marcelo De Vita Grecco (foto divulgação Green Hub)

A cannabis é uma planta única que possui espécies como o cânhamo (hemp) e a maconha. O cânhamo tem alto teor de canabidiol (CDB) e baixo de tetrahidrocanabinol (THC). Ele não gera qualquer efeito psicoativo e tem mais de 25 mil aplicações industriais. Já a maconha, ao contrário, possui baixo teor de CDB e alto de THC. Ela tem efeitos psicoativos e pode tratar inúmeras doenças, mas foi usada para demonizar a cannabis.

O mercado legal da cannabis apresenta cinco dimensões: a primeira engloba o cânhamo como uma commodity; a segunda é a industrial, uma das mais prolíficas e que gera produtos não voltados ao consumo direto humano; a terceira dimensão é a de Saúde & Bem-estar, direcionada a produtos para o consumo direto humano, englobando, além do setor de alimentos e bebidas, a linha de produtos over-the-counter (OTC, venda sem necessidade de prescrição médica); a quarta dimensão é a do setor farmacêutico; e a quinta e última engloba o uso adulto.

Conversamos sobre o mercado brasileiro de cannabis com Marcelo De Vita Grecco, cofundador e CMO (chief marketing officer) da Green Hub, a primeira plataforma brasileira especializada em tecnologia e inovação focada exclusivamente em negócios voltados à indústria da cannabis. A Green Hub atua como aceleradora e consultoria, além de ser um hub do setor, criando uma comunidade e proporcionando pesquisa, educação e conexão entre empreendedores, inovadores, setor corporativo, meio acadêmico, associações, governo e investidores desse mercado.

 

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Como está o mercado de cannabis no Brasil? Quais são as suas perspectivas?

Estamos falando de um mercado que está nascendo de forma extremamente dinâmica. O momento ainda é de solidificação e de vencer preconceitos, contornando desinformação e possíveis equívocos, bem como fomentando a importância, seriedade e responsabilidade sanitária que tal mercado possui – para, só então, pensarmos no imenso potencial de lucro potencial que a cannabis oferece.

Grandes potencias mundiais, nos mercados mais avançados, estão abraçando as possibilidades oferecidas pela indústria legal da cannabis. Para alguns países, a planta tem papel importante na superação de graves crises econômicas.

Normalmente, a porta de entrada é a oportunidade de melhorar a qualidade de vida de pacientes que sofrem com diversos tipos de enfermidades, por meio do uso medicinal da cannabis. De certa forma, esse roteiro também está presente no Brasil, mas os desdobramentos ainda são lentos.

Nacionalmente, o marco legislativo para a cannabis é debatido em torno do Projeto de Lei (PL) 399/2015, que nasceu com foco no acesso aos medicamentos, mas prevê também a autorização para o cultivo. O projeto é o de maior relevância no momento. Se for aprovado, segue para o Senado e, com a sanção presidencial, entra em vigor. No entanto, independente do resultado no Poder Legislativo, é importante que as pessoas mobilizadas para desenvolver o ecossistema da cadeia produtiva da indústria legal da cannabis não percam o foco de iniciativas fundamentais para o desenvolvimento do mercado.

Caso o PL seja aprovado, teremos avanços e alguns aspectos facilitados. A começar pelo acesso à matéria-prima, pois a aquisição sem ser dolarizada traz maior liberdade para o desenvolvimento de pesquisas e produtos. Além disso, diminuem a insegurança jurídica e as barreiras alfandegárias para a exportação. Com isso, as perspectivas são muitas, e diversas oportunidades poderiam ser aproveitadas, tanto pelo agronegócio quanto pelo setor farmacêutico, além de muitos segmentos da indústria. Ainda há outro ponto importante, em caso de aprovação do PL, que reside no maior acesso ao sistema bancário e financeiro.

No caso desse trâmite na câmara não resultar em aprovação, primeiramente, é importante entender que o impacto no desenvolvimento de novos negócios não será impeditivo. Afinal, vale considerar que 90% de tudo o que acontece no mundo corporativo envolve algum trâmite judicializado, em maior ou menor grau. Desta forma, há meios para conseguir desenvolver negócios, incluindo suas pesquisas.

Além disso, a cannabis vem quebrando mundialmente barreiras levantadas pelo preconceito. O passo dado no final do ano passado pela Organização das Nações Unidas (ONU) aponta uma abertura gradativa e crescente no caminho que tange às pesquisas e aplicações.

Sem a aprovação do PL 399/2015, também será preciso colocar em prática um “plano B” em direção à obtenção de marcos regulatórios. Nesse sentido, o ideal seria segmentar os objetivos para novas frentes parlamentares, com caminhos específicos para a cannabis e o cânhamo. Este último poderia, até mesmo, ser o foco principal em um primeiro momento, buscando atender uma gama expressivamente maior de possibilidades de aplicações para a planta. A criação do mercado em torno do cultivo e processamento do cânhamo vai ao encontro desses propósitos. Com condições climáticas ideais e imenso potencial agrícola, o Brasil pode abrir novos horizontes, assumindo papel de protagonismo e criando um exemplo a ser seguido globalmente.

Mas vale ressaltar que, mesmo com o cenário adverso devido ao marco regulatório, é crescente o número de negócios envolvendo a área de cannabis. Só no ano passado, por exemplo, tivemos 52 projetos do setor inscritos na nossa chamada para aceleração de startups.

 

Como está esse mercado nos Estados Unidos, Canadá e na Europa?

Nos Estados Unidos, nos 33 estados em que o comércio e o consumo de cannabis foi permitido, o produto foi incluído na lista de essenciais, por causa do uso medicinal. As vendas no ano passado chegaram a US$ 17,5 bilhões, aumento de 46% em relação ao ano anterior.

Já o Canadá teve crescimento de 61% em 2020, para mais de US$ 2,6 bilhões. O país foi beneficiado por novas regras governamentais que liberaram também a venda de produtos derivados, como comestíveis à base de cannabis.

O mercado legal de cannabis na Europa, incluindo o consumo medicinal e o uso adulto livre, deve atingir o valor de € 3,2 bilhões em 2025, segundo relatório divulgado pela empresa de consultoria especializada Prohibition Partners.

 

Qual a sua opinião sobre a legislação brasileira que dá suporte ao desenvolvimento desse mercado?

No início de 2021, as casas legislativas brasileiras tinham 27 projetos de lei envolvendo a cannabis. Desse total, 57% das proposições nasceram nas Assembleias Legislativas dos estados. Na Câmara Federal, estão 25% delas, e o Senado detém 14%. O restante, 4% dos projetos, encontram-se nas Câmaras Municipais.

O mais conhecido entre todos é o PL 399/2015. O projeto, no entanto, tem apenas 3% de chances de ser aprovado neste momento, segundo acompanhamento do Instituto de Pesquisas Sociais e Econômicas da Cannabis (Ipsec). Esse termômetro aponta a lentidão no encaminhamento do assunto no Congresso, pauta ainda bem distante no trâmite interno.

A discussão precisa ser destravada urgentemente, porque o Brasil, mais uma vez, está ficando para trás em uma corrida que já acontece globalmente. A regulamentação sobre a Cannabis irá proporcionar melhor qualidade de vida a tantos brasileiros que precisam de um medicamento mais barato e efetivo, além da geração efetiva de novos negócios, empregos, receitas e tributos.

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