Três perguntas: o setor aéreo brasileiro e suas perspectivas

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João Daronco
João Daronco (foto divulgação, Suno Research)

O setor aéreo brasileiro foi um dos que mais sofreu os efeitos da pandemia. Nas semanas de março e abril de 2020, as ações da Azul e da Gol despencaram na B3. Com o tempo, elas voltaram a se recuperar, mas ainda estão distantes das cotações pré-pandemia.

Apesar dos últimos meses não terem sido favoráveis, o setor aéreo brasileiro viu a organização da Itapemirim Transportes Aéreos (ITA), que já tem três A320 em sua frota, e que possui o início da sua operação previsto para o final de junho. Nos últimos dias, a Gol anunciou a compra da MAP Linhas Aéreas, empresa regional que opera nos estados do Amazonas e Pará. Também tivemos notícias sobre o interesse da Azul na compra da operação brasileira da Latam, classificado pelo Bradesco BBI como muito provável.

Para entendermos um pouco mais sobre as perspectivas do setor aéreo brasileiro, a recuperação deste setor no exterior e os principais pontos de atenção neste momento, conversamos com João Daronco, analista de investimentos (CNPI) da Suno Research.

 

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Como está o setor aéreo brasileiro? Quais são as suas perspectivas?

O setor aéreo como um todo sofreu muito com a pandemia da Covid-19. Durante o último ano, tivemos uma disparada do dólar e do preço dos combustíveis, aliado a diminuição do fluxo de passageiros, o que causou quedas substanciais na lucratividade das empresas do setor. Vejo o curto prazo ainda imprevisível, mas a expectativa para o segundo trimestre de 2021 não é muito otimista.

Foi exatamente no segundo trimestre de 2021 que a Covid atingiu o pico e, apesar do número de novos casos ter tido leve declínio, ainda está em um patamar muito elevado. Se os números se mantiverem assim, poderemos ter o pior trimestre da Covid, em número de casos.

Mesmo assim, algumas empresas aéreas estão bastante otimistas, tendo em vista a curva de vacinação. E, de fato, se a vacinação correr bem, como o Ministério da Saúde afirma, podemos ver uma recuperação do segmento para o segundo semestre do ano.

Sobre o futuro das viagens aéreas, ainda é bastante incerto à luz da pandemia, especialmente em se tratando de viagens internacionais. As viagens a negócios também devem demorar a se recuperar, mais do que as viagens a lazer. Quando pegamos um histórico, vemos que as viagens a lazer demonstram rápida recuperação, enquanto as viagens a trabalho demoram anos para se recuperar.

Por exemplo, após o 11 de Setembro (2001), o segmento de viagens a trabalho demorou 4 anos para retornar aos níveis normais. Após a crise de 2008, esse segmento nunca se recuperou totalmente. Inclusive, antes da pandemia estava em níveis abaixo dos pré-2008. Isso sem mencionar a disseminação do trabalho remoto, acelerado pela pandemia. A McKinsey estima que, quando esse segmento se recuperar, estabilizar-se-á em 80% do patamar pré-Covid.

Dessa forma, o setor aéreo é totalmente dependente do controle da doença. Enquanto os números da Covid estiverem altos, as autoridades vão impor restrições, o que manterá o tráfego aéreo baixo. Tentar prever a recuperação do setor aéreo do Brasil é uma tarefa bastante desafiadora, mas acredito que teremos um destravamento deste segmento a partir do avanço da vacinação. O grande driver continua sendo o número de casos da Covid. À medida que a situação piora, as autoridades aumentam as restrições e o tráfego aéreo diminui.

 

Como está o processo de recuperação do setor aéreo no exterior?

O setor aéreo no exterior também sofreu bastante com a pandemia. A McKinsey estima que o tráfego aéreo só voltará aos níveis de 2019 por volta de 2024. A pandemia afetou muitos negócios, mas acredito que nenhum tenha sido tão afetado quanto o setor de transporte aéreo. O setor aéreo global teve receita de US$ 330 bilhões em 2020, 40% da de 2019, a mesma receita de 2000.

A queda de receitas afeta especialmente o setor aéreo pois esse tem custos fixos altíssimos. Manter as aeronaves paradas no chão custa muito às companhias. Inclusive, a queda do faturamento pode levar essas companhias a situações muito precárias ou até mesmo à falência.

Em relação à situação global, apesar de estar muito aquém dos níveis pré-Covid (quase 70%), nos últimos meses o setor tem mostrado uma recuperação, impulsionada pelas viagens domésticas, que apresentam queda de apenas 32% (2021 x 2019).

Porém, as viagens internacionais ainda estão muito em baixa. O tráfego de passageiros melhorou em março, mas permaneceu significativamente abaixo dos níveis pré-Covid, queda de 89% (2021 x 2019) devido às rígidas restrições de viagens.

Os Estados Unidos vêm se recuperando bem. Uma pesquisa realizada pelo Goldman Sachs mostra que os setores sensíveis à pandemia, como o setor hoteleiro e o aéreo, estão tendo uma forte recuperação no país, principalmente a partir de março e abril. O setor hoteleiro já está em 77% do faturamento pré-Covid. A recuperação deverá ser impulsionada pela campanha de vacinação em massa que vem ocorrendo no país.

Devemos aguardar e ver qual será o ritmo de recuperação que esses países deverão ter e a retomada das viagens internacionais.

 

Na sua opinião, quais são os principais pontos de atenção do setor aéreo brasileiro nesse momento?

Acredito que podemos dividir os pontos de atenção em quatro:

– Volatilidade do câmbio: Parte dos custos das companhias aéreas são dolarizados, o que faz com que a volatilidade do câmbio impacte diretamente nos seus resultados. Investidores desses segmentos deverão ficar atentos a como o câmbio irá variar e quanto isso irá impactar nas empresas aéreas.

– Volatilidade do combustível: O segundo ponto é a volatilidade do combustível. Durante a Covid, tivemos uma forte variação neste insumo, que representa grande parte dos custos das empresas aéreas.

– Segunda onda da Covid: Apesar de ainda estar bastante aquém dos níveis pré-Covid, o setor global está se recuperando. O Brasil é uma exceção a essa regra. O tráfego doméstico em março, diferentemente da maioria dos países, foi pior que o de fevereiro, apresentando uma queda de 54% YoY [sobre mesmo mês do ano anterior], ante 32% do mundo. Isso ocorreu devido à segunda onda da Covid, que impactou o mercado doméstico brasileiro. Caso tenhamos uma continuação desta segunda onda, ou até uma terceira onda, o setor pode ser bastante impactado.

– Andamento da vacinação: Por fim, temos a vacinação. Se o Brasil seguir o mesmo caminho dos EUA, o mercado deverá se recuperar fortemente em 2022. Existem algumas estimativas que colocam a pandemia no Brasil de 8 a 10 semanas atrás dos EUA. Eu sou um pouco mais pessimista quanto a isso. O andamento da vacinação é um fator ao qual os investidores devem estar atentos e deverá ter reflexo direto no setor aéreo.

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