Três perguntas: uma fintech de compra de direitos creditórios

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Bruno Dollo (foto divulgação Regera)
Bruno Dollo (foto divulgação Regera)

Conversamos com Bruno Dollo, fundador da Regera, sobre o modelo de negócio da fintech, a criação do seu conceito e o tamanho do seu mercado.

Para viabilizar a sua operação, a Regera organizou um fundo de R$ 85 milhões e recebeu uma rodada de investimentos de R$ 22,5 milhões.

 

O que faz a Regera?

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A Regera é uma plataforma independente que compra em larga escala direitos creditórios contra grandes corporações, oferecendo até então um retorno não previsto para os consumidores. O direito creditório nada mais é do que a possibilidade de indenização futura. Nós trabalhamos com a compra desses créditos, e não com a prestação de serviços.

Os direitos creditórios são escolhidos através de uma matriz de variáveis onde verificamos se, prioritariamente, os valores envolvidos são baixos e se o mesmo erro afetou muitos consumidores, ou seja, um direito padronizado para que possamos conseguir escala e viabilizarmos o nosso modelo. Adicionalmente, nós avaliamos as ações que já existem, movidas por associações e ministérios públicos, nas quais o réu tenha liquidez para efetuar os pagamentos, pois não adianta ganhar e não levar. Cabe ressaltar que nós não promovemos ações civis públicas.

Existe um volume enorme dessas ações no mercado. O que nós fazemos é apurar a probabilidade de êxito dessas ações. Nós não entramos em ações nas quais não acreditamos no problema ou ações em que as empresas tomaram as devidas precauções. Por exemplo, recentemente nós estudamos um caso envolvendo um fabricantes de fraldas de bebê, que estava gerando um grande problema e que tinha um potencial enorme de mercado. A questão é que a empresa agiu para resolver o problema dos consumidores. Mesmo ela tendo um passivo, nós entendemos através da nossa matriz que o objetivo não é ser oportunista, mas sim resolver de fato a dor de consumidores que não são atendidos.

Hoje existem dois formatos de ações civis públicas. Um formato por representação processual e outro por substituição processual. Isso é definido no momento em que se ingressa com a ação. A representação processual vale apenas para os associados daquela determinada associação. Se a pessoa não for associada, ela corre o risco de perder o direito. Já a substituição processual é um modelo não muito explorado no Brasil, mas cuja tendência vem mudando. Nesse caso, uma vez que o mérito seja julgado favorável para a associação, esse direito vale para a sociedade como um todo. A Regera compra direitos creditórios que possam vir de ações coletivas ou individuais por substituição processual.

Para alcançarmos os consumidores, nós utilizamos diferentes meios de comunicação, pois muitas vezes eles não sabem que foram lesados. Além disso, existe uma boa parcela que sabe que foi lesada, mas que não vai atrás por causa do tempo que terá que gastar e do valor envolvido.

Geralmente, a comprovação de que uma pessoa pode se beneficiar da causa é a nota fiscal. Tendo a nota e os documentos pessoais, nós assinamos o contrato com a pessoa, deixando para ela a opção de vender o crédito com um desconto de 30% para receber no final ou receber um valor menor à vista. Em torno de 40% das pessoas que procuram a Regera optam por receber à vista.

Nós estamos acessando um mercado onde as pessoas não são amparadas, havendo uma demanda enorme bastante reprimida. O nosso maior desafio é a jurisprudência, já que criamos um novo modelo de negócio.

Nós sabemos que o ecossistema vai tentar barrar isso porque ele não tem interesse, já que as grandes corporações ganham muito com isso. Muitas delas sabem que menos de 5% dos pequenos consumidores buscam a justiça quando são lesados. No Brasil, lesar o pequeno consumidor é vantajoso.

 

Como você criou o conceito da Regera?

No final de 2013, eu vendi a minha agência com mais de 100 funcionários para um grupo inglês. Como eu estava cansado do mercado, resolvi tirar um período sabático. Em paralelo, estava ocorrendo a Operação Lava Jato. Eu costumo brincar que tenho um pouco da genética daquele momento.

Como eu estava com tempo, tive que contratar uma série de serviços como plano de saúde, banda larga e telefonia móvel, e comecei a ter problemas com todos eles. Diante disso, eu decidi ir atrás dos meus direitos. Conversei com um advogado que me disse “deixa pra lá”, “não vale a pena”, “o valor é baixo”, “você vai ter custas”, “pode ter sucumbência”, e que geralmente as grandes corporações estão com grandes escritórios para apoiá-las nessas ações.

Como eu tenho esse lado não conformista meio anarquista, comecei a querer entender o problema. Para isso, comecei a conversar com juristas que entendiam do assunto. Foi quando eu recebi um feedback muito importante de um especialista no tema: “Essa ideia é tudo o que eu sempre quis fazer, mas eu não tinha tecnologia”. Foi quando eu decidi colocar o modelo em prática.

No início da caminhada, me alertaram que eu ia enfrentar muita gente. Já existem grandes corporações que estão batendo no nosso modelo de negócio para que não tenham que pagar os consumidores. Nós estamos numa briga que só começou.

 

É possível ter uma ideia do tamanho desse mercado?

Nós avaliamos 150 causas, todas enquadradas no nosso modelo, e com valores acima de R$ 1 bilhão de valor principal de direito. Adicionalmente, se nós pegarmos a Lei de Diretrizes Orçamentárias do Governo Federal, só em assuntos relacionados a tributos federais que o governo tem em segunda instância, com alta probabilidade de perda, ou seja, de no mínimo 75% no conceito jurídico, o valor é superior a R$ 4 trilhões. Assim, eu estimo que esse mercado seja acima de R$ 5 trilhões.

O problema é que esse mercado está acessível para os grandes com seus grandes escritórios. Faz sentido colocar tempo e time nesses casos. Já os pequenos consumidores, como já disse, não entram na justiça para buscar os seus direitos, já que o ticket é pequeno. Existe todo um trabalho pensado e feito para se ganhar dinheiro com isso.

Outro dia eu estava conversando com o fundador de um fundo que me disse que o Brasil era um país engraçado. Sempre que há uma brecha, os fundos brasileiros compram os direitos aqui para litigar no exterior. O Brasil é o único lugar do mundo onde o prejudicado tenta litigar no exterior, e o réu faz de tudo para que se litigue aqui, já que no Brasil a ação vai demorar, e o ecossistema vai fazer de tudo para que a probabilidade de êxito mude.

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