Trigo: pioneirismo que não decolou

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Pode parecer estranho, mas, entre nós, trigo e aviões têm alguma ou muita coisa em comum. Fomos pioneiros com Santos Dumont ao colocar em vôo um equipamento mais pesado que o ar. Os norte-americanos insistem em dizer que esse título cabe aos irmãos Wright, mas ele ainda é nosso.  E o trigo, o que tem a ver com essa história? É que também fomos pioneiros em trazer esse grão para as Américas. E, tal como por muitos anos aconteceu com o sonho de Santos Dumont, ficamos apenas com as hoje quase esquecidas boas recordações desse acontecimento histórico.
Poucos sabem que nos primeiros tempos da colonização portuguesa, o Brasil foi cenário de uma experiência tritícola no mínimo interessante. Nesta terra não se plantou tão-somente cana-de-açúcar, café ou se criou gado como se ensina nas escolas. Soubemos, mais adultos, que o País vivenciou experiência singular na área do trigo. Por exemplo, muito antes que os plantadores da América do Norte, o Brasil exportou esse grão. As informações dão conta que, por todas as capitanias, os trigais eram rica fonte de subsistência.
No que diz respeito aos aviões, nas últimas décadas este segmento da economia começou realmente a decolar de maneira firme, graças a uma iniciativa importante do Governo Federal que, ao criar a Embraer, permitiu que os ideais de Santos Dumont frutificassem solidamente. Hoje temos um parque aeronáutico gerador de divisas, empregos e um valor agregado de tecnologia, indispensável nos tempos modernos. Pena que isso ainda não esteja ocorrendo de forma continuada e plena com o trigo! Na triticultura, as oscilações de apogeus e fracassos nunca nos permitiram manter essa cultura em nível estabilizado. Mostra nossa caminhada que se plantou muito trigo neste país – no Sul, Leste, Centro-Oeste, Nordeste e até na ilha de Marajó -, mas nunca obedecendo a uma linha bem definida de pesquisa e adaptação de variedades, ao lado de mecanismos de estímulos econômicos adequados. No começo do século passado, esse equívoco expôs seus resultados nefastos, com a ferrugem se instalando nos trigais.
De lá para cá, a realidade da praga obrigou as autoridades a adotar procedimentos louváveis, mas que muitas vezes se viram interrompidos pelos mais diferentes motivos. Demos passos importantes na pesquisa, criando variedades adaptadas ao solo e clima nacionais. Tivemos estímulos financeiros, nem sempre bem aproveitados, com recursos sendo canalizados para a especulação bancária, em lugar da produção. Nada novo nisto, pois insistimos em manter a memória nacional sob manto sempre espesso, o que nos impede de corrigir ações infelizes.
Há o registro louvável de que a primeira unidade descentralizada estabelecida pela Embrapa, o Centro Nacional de Pesquisa do Trigo, fundado em 28 de outubro de 1974, na cidade de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, sobressai-se na geração, adaptação e difusão de tecnologias do trigo. Na atualidade, seus 26 projetos e cerca de 100 subprojetos prometem bons resultados. A vertente pesquisa caminha bem, pois estamos buscando aquilo que melhor nos interessa. Agora, faz-se imperativo definir a econômica.
Ambas devem caminhar juntas, interagindo harmonicamente.
No tocante à economia, é suficiente nos reportarmos às últimas duas ou três décadas, para constatar que nossos governantes nem sempre foram felizes ao gerenciar a cultura do trigo. À falta de políticas melhor definidas, sempre estivemos sujeitos aos reflexos dos acontecimentos internacionais no setor.
Em 1962, foram adotadas medidas de incentivo ao plantio da soja e do trigo. Saímos de 255 mil toneladas produzidas do insumo básico do pão para cerca de 1,15 milhão, em 1969. Em 1971, a marca já era de 2 milhões de toneladas. Despencamos em 1972 para 700 mil toneladas, devido a problemas na lavoura. Melhoramos nos dois anos seguintes e, em 1976, obtínhamos pouco mais de 3 milhões de toneladas. Seguiu-se novo surto de doenças nos trigais e trouxemos sementes mexicanas. Em resumo, estamos novamente com produção baixa e sem ainda uma recomendação consistente a respeito de variedades, embora a Embrapa esteja cursando um bom caminho para que isso aconteça.
De outra parte, estamos sujeitos às oscilações na política internacional relacionada ao trigo, com a Argentina usufruindo, nos últimos anos, por conta do Mercosul, do status de parceiro privilegiado na política de preços. Somos importadores em grande escala desse grão, pelo qual pagávamos, em janeiro de 2000, cerca de US$ 86,00 por tonelada. Em abril deste ano, pagávamos US$ 123,00. Embora também positivo sob o ponto de vista macroeconômico, o Mercosul trouxe este outro inconveniente, pois as barreiras fiscais impostas aos produtos dos demais países vem impedindo que a indústria brasileira aproveite eventuais quedas sazonais nos preços internacionais, o que proporcionaria ganhos no preço médio pago pelo trigo, barateando o produto para o consumidor final.
Paralelamente, tivemos internamente a desvalorização do real frente ao dólar, agravando a situação das indústrias que têm no trigo seu principal insumo. Obviamente, isto tem reflexo nos investimentos e no custo ao consumidor final, que paga mais por pães e massas. Isto representou, em números redondos, uma elevação de, no mínimo, 34% em pouco mais de um ano.
Os aviões tiveram evolução magistral com a Embraer, hoje em mãos particulares e concorrendo com outros fabricantes de igual porte e conhecimento tecnológico. Nossa esperança é que, ao resgatarmos estas memórias, autoridades e o próprio mercado possam trabalhar no sentido de alcançar uma realidade tão feliz como essa da indústria brasileira de aeronáutica, para decolarmos decididamente como grandes produtores de trigo.

Manoel Corrêa de Souza Neto
Diretor da Brico Bread.

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