Triste fim da livraria Saraiva

Reflexão sobre o fim da Livraria Saraiva e desafios do varejo brasileiro. Por Luís Fernando Guerrero

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fachada da livraria Saraiva
foto: Divulgação

Os amantes do livro enfrentam uma grande perda. Na última quarta-feira (4/10), a Livraria Saraiva protocolou o pedido de falência junto à 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca do Estado de São Paulo. Com dívidas de R$ 675 milhões e cerca de mil credores, a empresa entrou em Recuperação Judicial em 2018 e, há poucos dias, decidiu pelo fechamento de todas as lojas físicas, revelando que se dedicaria somente ao marketplace.

Centenária e reconhecida como a maior rede no seu nicho em todo o país, a Livraria Saraiva chegou a ter mais de 100 lojas em 17 Estados. Um empreendimento fruto da dedicação do português Joaquim Ignácio da Fonseca Saraiva, inicialmente chamada de Livraria Acadêmica, ela teve como ponto de partida um pequeno espaço próximo à Faculdade de Direito de São Paulo. Fortemente endividada, a empresa lutou para sobreviver.

Em 2021, a empresa tentou vender parte da operação, abrindo um leilão que não teve sucesso por não atrair nenhum comprador. Emblemática como um dos principais precedentes de Mediação em Recuperação Judicial, os esforços cumpriram as trilhas disponíveis nas esferas de negócios e jurídica. A marca assumiu um plano de Recuperação Judicial, buscou a negociação junto aos credores; realizou uma inovadora mediação, mais recentemente fechou todas as lojas físicas que ainda restavam, mas nada foi suficiente para garantir condições mínimas de manutenção da empresa.

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Nossa legislação dispõe de um arsenal diverso e muito qualificado para suportar caminhos de revitalização do negócio, mas é vital que a operação tenha o mínimo de saúde para encarar a dura jornada que é uma Recuperação Judicial. No entanto, embora os credores sejam, vamos dizer, convidados a colaborar com essa etapa, via negociação direta, mediação e outros meios, é fundamental que os caminhos da empresa recuperanda apresentem algum nível de viabilidade.

Difícil mapear o ponto exato da derrocada. Já fragilizada, a Livraria Saraiva precisou enfrentar a pandemia, e isso não foi fácil para nenhum comércio. A agressividade da concorrência, com logística eficiente e a sedução de descontos, pesou para um negócio de outro formato, que precisa sustentar os altos custos das lojas físicas e estoques. Gestão ineficaz? Lentidão da liderança em acompanhar os novos tempos da digitalização e vendas online? Negligência com o atendimento do cliente nos pilares serviços x desejos? Essa parece ter sido a solução para a famosa Barnes & Noble, nos EUA, que se reinventou apostando no atendimento premium, trazendo para o time especialistas em literatura que fazem da experiência da compra muito mais do que a escolha de um livro. Entrar na Barnes & Noble é um mergulho cultural.

Futuro incerto

De forma geral, o varejo nacional inspira cuidados e preocupa desde investidores, fornecedores, bancos e consumidores. O ano começou roubando o ar ao descortinar a situação complicada da Lojas Americanas e não deu mais trégua. No mesmo segmento, livreiro, a Livraria Cultura teve sua falência decretada em fevereiro. Recorreu da decisão e conquistou nova oportunidade ao comprovar que tem condições de honrar os compromissos assumidos e seguir adiante. Mas se ampliarmos a lente para o varejo como um todo, a lista de CNPJs comprometidos, em Recuperação Judicial ou com risco de chegar lá, é longa.

Tok&Stok, Marisa e outras tantas, como os empreendimentos de rápida ascensão no nicho de milhas, hotelarias e das promoções coletivas. Já vimos Peixe Urbano, Hurb e, mais recentemente, 123 Milhas e Max Milhas. Mas há de se manter a confiança. A Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) divulgou, em agosto desse ano, que o varejo brasileiro atinge R$ 1,046 trilhão: esse foi o faturamento do varejo brasileiro em 2022, tendo um crescimento de 14,1% em comparação à 2021. Entraram nesse estudo diversos nichos, grande parte representada por supermercados e varejo de alimentação; mas não somente. O estudo ressalta a importância das práticas de ESG e dos investimentos em tecnologia e estruturação do marketplace como eixo de competitividade e crescimento.

Para a Livraria Saraiva, infelizmente, o jogo está próximo de um triste fim. Mas muitas estão aí, na reconstrução de suas operações e precisam manter o foco, serem rigorosas no cumprimento dos planos estabelecidos para que não sejamos mais surpreendidos com o fim de marcas tão queridas de todos os brasileiros.

Luís Fernando Guerrero é advogado, sócio de Lobo De Rizzo Advogados, fellow do Chartered Institute of Arbitrators, professor no Ibmec e PhD em Disputas e Resoluções pela USP (Universidade de São Paulo).

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