TRIUNFO IDEOLÓGICO NEOLIBERAL

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“Triunfo Neoliberal” foi artigo anterior em que procuramos compreender a guinada prática dada pelo PT na gestão macroeconômica do país, ancorada no Banco Central do Presidente Meirelles, figura-chave deste sucesso em virtude da experiência recolhida internacionalmente na gestão do BankBoston e que ora aplica ao país.

Sucesso contudo, como dito anteriormente, advindo do comércio exterior brasileiro, colhendo vigorosos saldos comerciais nestes três últimos anos, a reduzir a necessidade do país por recursos externos e a aliviar seu caixa, coroando a batalha da exportação ampliada a partir de 1972, com a criação das “trading-companies”, esforço para reduzir a dependência nacional das exportações do café, predominantes até então. Adicionalmente, ênfase a ser sempre lembrada, o cultivo da soja e o aumento do cultivo de outros grãos, iniciados na década de 70, alcançam agora volumes impensáveis à época, ultrapassando, de há muito, a produção argentina e se aproximando, na soja, da produção americana, um ícone, para os que conviveram com tais números. Acrescentem-se o açúcar, carnes em geral, minérios e siderúrgicos em volumes crescentes durante todo este período. Portanto os saldos comerciais recentes não derivam de políticas neoliberais atuais e sim de velhas políticas voltadas à exportação e introduzidas a partir daquela década de 70, igualmente concedidas ao setor industrial, incluindo-se o automobilístico, todos gozando de isenções tarifárias e mesmo de créditos-prêmios ao volume exportado. Assim amadureceu, com ênfase nos últimos três anos, o modelo voltado para as exportações, questionadas aliás pelo PT nas décadas de 80 e 90, mas, a rigor, o principal modelo de economia real do Brasil das três últimas décadas. Este sucesso localizado induz à errada leitura de que resulte das atuais políticas neoliberais, cobrindo os ministros da área econômica deste manto de glória costurado naquele passado remoto quando o país, inda que gerido pela ditadura militar, lograva pensar-se globalmente, fixando continuamente metas para seu desenvolvimento, entre as quais a de ampliar exportações, introduzindo legislações como a das trading-companies ou ainda a dos incentivos fiscais.  

Ao se excluir o sucesso do comércio exterior brasileiro das políticas neoliberais, saliente-se que durante a 1ª fase da adoção destas, de 1994 a 1998, com a crescente valorização do Real, o que se conheceu foi queda contínua do saldo comercial, encolhendo de  + US$ 13,2 bilhões em 1993 para – US$ 6,5 bilhões em 1998  – uma perda linear de quase US$ 20 bilhões – , e só voltando a ficar positivo em 2001, com US$ 2,6 bilhões.  

Portanto, comércio exterior brasileiro e gestão das dívidas interna e externa não são produtos do mesmo saco neoliberal, embora economistas e parcela do governo busquem encostar alhos em bugalhos, tirando partido do primeiro para justificar o modelo neoliberal, que conquistou amplo terreno ideológico face às alternativas de pensar-se o desenvolvimento brasileiro, tônica anterior até a década de 90, quando o choque neoliberal destruiu a bordagem desenvolvimentista ancorada no Estado de até então, juntamente com a do modelo exportador. A praxis neoliberal propõe um desenvolvimento a partir do embate de forças cegas do mercado, a rigor dos diversos mercados – financeiro, industrial, agrícola, habitacional – crendo que tais embates haveriam de, por si só, desenvolver ordenadamente o país. Um mercado só, ao invés de vários, operado por forças angélicas do bem, jamais visitados pela cobiça e pela pilhagem que, para seus defensores, parecem não habitá-los e alterá-los.  

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Contudo, o sucesso do modelo exportador, plantado a duras penas nos anos 70 – pense-se na luta da extinta Interbrás, subsidiaria da Petrobras -, e os macro-saldos comerciais destes três últimos anos, têm facilitado a gestão da dívida externa, com redução tanto de seu saldo quanto da gestão compartilhada com o FMI, indutor do neoliberalismo atual.
Mas então se as políticas neoliberais em curso não dizem respeito ao comércio exterior brasileiro, e dizem pouco à divida externa nesta sua recente forma de gestão, – contudo passível de ser substantivamente alterada – do que se aproveita o demônio neoliberal na macro-economia brasileira ? Sobretudo da gestão da dívida interna, um divisor de águas na vida econômica do país nesta fase neoliberal pós-FHC e, adicionalmente, do abandono da idéia de que o Estado possa ser novamente indutor de desenvolvimento, facilitando a venda das estatais.
“A dialética da dívida já comanda o país” fora texto que apresentei neste MM, a 18.08.00, identificando que o fenômeno da dívida interna crescente, alimentado pelas altas taxas de juros praticadas desde 1994, dividiria as águas na gestão pública brasileira, vez que se alçara de menos de 30% do PIB em 1994 para quase 60% em 2002. Tal imensa dívida, com alguns economistas admitindo que poderia alcançar 100% do PIB por volta de 2015, teve sua qualidade alterada, em virtude de seus crescentes volumes, – quantidade alterando qualidade, uma lei dialética clássica – transformando-se em tese central da gestão do país, obrigado a elevados superávits para servi-la. Superávits que, por seu turno, reduzem a disponibilidade de recursos do Estado para investimento nos setores carentes do país, função agora do sábio mercado. A velha infra-estrutura não cresce, antes se deteriora: estradas, hospitais, escolas, e até cadeias públicas, essenciais ao modelo recessivo.
A gestão da dívida pública, os cálculos intermináveis sobre os juros a pagar, o superávit nominal desejável e toda esta matriz funcional, desloca o foco do debate para sua gestão, ampliando-lhe a importância em detrimento do debate sobre o real desenvolvimento do país e de suas demandas estruturais – assuntos agora do mercado em conjunto com os administradores dos dois níveis executivos do país: municípios e estados, sem que os partidos políticos, sem bandeiras desfraldadas ou com elas a meio-pau, logrem opinar.
Gestão da dívida, taxa de juros e superávits nominais são o debate dominante fruto da ideologia neoliberal triunfante, atraindo economistas, sobretudo os novos que se formaram a partir de 1994, todos debruçados nesta equação, até certo ponto singela com 3 ou 4 variáveis, às quais se somam as dos impostos diversos da União que viabilizam o serviço da dívida a juros elevados inibindo investimentos públicos.
Com o debate já confuso entre economistas, diversos políticos capitularam, aceitando sua marginalização e a dos partidos que os abrigam, sem alternativa ao desenvolvimento nacional, mergulhados numa crise doutrinária e de princípios que facilita a expansão do discurso ideológico neoliberal. Discurso que rasga o pouco que resta da doutrina econômica dos partidos, cujos membros, com retórica ultrapassada, não conseguem acertar o passo e dominar os debates em curso, submetidos à sintaxe neoliberal, em contínuo avanço, com seus ideólogos ampliando a conversão da nação a tal discurso e modelo, eventualmente questionável pelo grupo do Presidente Severino.
A gestão da dívida interna atingiu em cheio o PT, enroscado na ideologia neoliberal cujo discurso aceitou como o da moda, agora sob a responsabilidade deste novo ente de razão, o mercado libertador e seu catecismo, mantra da ideologia neoliberal, que assim se expande e triunfa, expulsando a cultura desenvolvimentista, viabilizadora do crescimento do país com ênfase na poupança interna do século passado. Lições perdidas da História. A mídia censura o passado, até porque o confunde ora com o sistema militar – a ser execrado com tudo o que fez de expressivo -, ora com o complexo estatal, pilhado inicialmente em suas tarifas para engordar o setor privado, porém reajustadas para viabilizar a privatização. Portanto, ideologicamente, nem de passado econômico exitoso dispomos mais. Aliás, de passado algum. Quem ousa falar de vultos do passado sem ouvir sonora gargalhada?  
Confusão conceitual no presente, censura velada ao passado, “vitória da esquerda, mas direita no poder”, eis a babel criada pela expansão ideológica neoliberal, nova linguagem de domínio econômico-político que precisa ser analisada e criticada em toda a sua extensão. Nem são suas origens que contam, mas a capacidade de multiplicação ideológica que a “mídia” lhe concede, sem qualquer contraponto ou contraditório: triunfo ideológico neoliberal.

Paulo Guilherme Hostin Sämy

Conselheiro da Abamec e Presidente da AEPI –

      Anistiados Interbrás

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