A ameaça feita pelo presidente eleito dos Estados Unidos (EUA), Donald Trump, de taxar em 100% as importações dos países do Brics que substituírem o dólar em transações comerciais procura manter a hegemonia da moeda estadunidense no mercado mundial, avaliam especialistas consultados pela Agência Brasil.
A intimidação foi rechaçada pela Rússia. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, avisou que qualquer tentativa de Trump de obrigar os países do Brics a utilizarem o dólar “será um tiro pela culatra”. Peskov lembrou que a moeda estadunidense vem perdendo, em ritmo acelerado, sua relevância no mundo.
A China condenou o que classificou como bravatas do empresário extremista, acrescentando que se trata de uma tentativa de Washington de lançar mão do dólar como arma econômica, desestabilizando a economia global, segundo Liu Pengyu, porta-voz da Embaixada da China na capital norte-americana.
Os EUA mantém déficit comercial de US$ 433 bilhões com os países do Brics, responsáveis por fornecer itens essenciais, entre eles, medicamentos, equipamentos médicos e até minerais de terras raras. As exportações estadunidenses (petróleo, automóveis e armas), por outro lado, enfrentam forte concorrência no mercado internacional.
O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni vai na mesma direção, ao afirmar que Trump se preocupa com a principal arma dos Estados Unidos (EUA) para a dominação que exerce no mundo, que é o fato de o dólar ser a moeda usada no comércio internacional.
“A perda do poder do dólar implica uma perda do poder dos Estados Unidos, do poder imperial sobre o mundo. Se a gente pensar que os Estados Unidos são uma potência militar, financeira e política que impõe o seu modo de vida através do cinema, da TV e de bens de consumo, a gente tem que perceber que o centro disso é a hegemonia que o país tem sobre a moeda padrão circulante no mundo inteiro, que é o dólar”, explicou Maringoni.
Hegemonia do dólar é central para os Estados Unidos
O pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Ronaldo Carmona, ressaltou que a hegemonia do dólar é central na geopolítica estadunidense e cita o congelamento das reservas russas em dólar que foram sequestradas para financiar a Ucrânia.
A preocupação de Trump se deve ao fato da moeda emitida pelo Tesouro estadunidense regular as transações em todo o mundo, explicou Gilberto Maringoni. “Isso dá um poder imenso ao país porque ele pode fixar taxas de juros que serão as taxas de juros base das economias mundiais. Quando o Fed [Banco Central dos EUA] mexe nas taxas de juros, isso impacta as taxas de juros no Brasil e outros países da periferia”, analisou.
Medidas para substituir o dólar nas relações comerciais foram discutidas durante a cúpula dos Brics deste ano em Kazan, na Rússia. O bloco é formado pelos fundadores Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, além de Irã, Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. Outros 13países devem ser ainda convidados para participarem como membros parceiros do bloco.
Estratégia de Trump contra Brics e outros países
Tanto Maringoni, quanto Carmona avaliaram que tem limites para essa estratégia de Trump de taxar os produtos dos países que contrariam, de alguma forma, a política trumpista.
“A madeira consumida nos Estados Unidos (EUA) é canadense [também ameaçado pelas taxações do Trump]. Isso implica um aumento de custos. Várias empresas americanas, a Tesla, inclusive, que é a empresa do Elon Musk [empresário aliado de Trump], têm fábricas na China e importam para os Estados Unidos. A Apple ainda tem divisões na China. Então, isso pode causar um aumento nos preços internos”, ponderou Maringoni.
Segundo Ronaldo Carmona, Trump corre o risco de elevar a inflação dos EUA se aplicar essa política de taxação de importações às últimas consequências. “Trump vai privilegiar uma ação de força para a manutenção da hegemonia do dólar mesmo que as custas de determinados interesses comerciais dos EUA na sua relação com o Brics? Afinal de contas, estamos falando de grandes países que têm grandes correntes de comércio com os EUA”, comentou.
As ameaças do republicano engrossaram a especulação com o dólar no Brasil. Às 19h20 desta segunda-feira, o dólar comercial era negociado a R$ 6,0627.