O presidente dos EUA, Donald Trump, encerrou seu discurso de posse no Capitólio, em Washington, nesta segunda-feira afirmando que o futuro pertence aos norte-americanos e que uma “era de ouro acaba de começar.”
Antes disso, ele disse que “a América, mais uma vez, vai tomar o lugar de a nação mais respeitada e poderosa da Terra.” Confiante, também garantiu que “nos EUA, o impossível é o que fazemos de melhor.”
Para o cientista político e sócio da Consultoria Tendências Rafael Cortez, a fala do novo presidente pode ser classificada como o velho “estilo verborrágico, sempre muito exagerado sobre os seus feitos e sobre o que ele significa na história americana.”
“O imaginário de liderança que o Trump personifica é um imaginário de vencedor. Ele precisa ser percebido como um líder que vence as disputas”, avalia Cortez.
A empolgação da fala de Donald Trump, no entanto, contrasta com análises que percebem a diminuição da importância econômica, cultural e militar dos norte-americanos nos últimos anos.
Para esses analistas, “os EUA não conseguem mais sozinhos resolver o problema do Oriente Médio, por isso que eles querem sair. Não estão mais na estratégia de derrubar regimes diretamente, porque isso se mostrou fracassado. Por isso que o Trump vai tentar um plano B para saída na Ucrânia”, descreve Cortez.
Nesse sentido, a verborragia de Trump poderá causar frustrações. Para o professor Antonio Jorge Rocha, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), as promessas de apogeu de Trump não serão cumpridas. Ao contrário, haverá uma “aceleração do fim da liderança americana”. Na visão do acadêmico, “os EUA sairão desses quatro anos menos poderosos do que estão hoje.”
“Ele tem um pensamento do século XIX”, acrescenta Rocha se referindo à política de impor mais tarifas a mercadorias e bens importados.
“As tarifas incidem sobre produtos, que hoje não são a parte mais valiosa das transações internacionais. Há muito mais dinheiro sendo transacionado em serviços, principalmente em finanças. Então o impacto de tarifas sobre essa relação é menor do que foi no passado.”
O professor ainda assinala que “o mundo não é mais o do mercantilismo, a economia não é mais a industrial. Nós estamos falando da economia da informação, onde serviços prevalecem. Como é que essa visão de mundo anacrônica vai produzir resultados nesse novo mundo é o grande mistério.”
Outro sinal de anacronismo no discurso de Trump estaria na intenção de “acabar com a ideia mandatória dos carros elétricos” – tecnologia mais sustentável do que o combustível fóssil e dominada pela China – e na promessa de perfurar poços de petróleo, dentro e fora dos EUA, para “a maior quantidade de petróleo e gás do que qualquer país na Terra.”
De acordo com Rafael Cortez, o estímulo à indústria petroleira, com desregulamentação ambiental, é aumentar a produção de energia que pressiona a inflação.
“Me parece que o que o Trump quer fazer é buscar reduzir o componente da energia dentro da inflação para, de alguma maneira, compensar os efeitos possíveis inflacionários do protecionismo comercial.”
Na opinião de Antonio Jorge Rocha, a demanda por mais combustível poderá ter um aspecto positivo. “Talvez favoreça, por exemplo, a redução das tensões aqui com a Venezuela. A Chevron já está de corpo e alma na Guiana e já na Venezuela também. Eu aposto que vai prevalecer o interesse econômico nesse caso.”
Rafael Cortez acrescenta que além da atuação americana na Venezuela, o Brasil poderá ser impacto com a política de deportações de imigrantes brasileiros que estejam irregulares e também com aumento de juros nos EUA para conter a inflação, o que pode resultar no crescimento das taxas de juros cobradas nos países emergentes como o Brasil e consequentemente pressionar o câmbio.
Em um discurso de cerca de 30 minutos, Donald Trump fez nesta segunda-feira seu primeiro discurso como novo presidente dos EUA. Ele reafirmou a intenção de retomar o Canal do Panamá e de combater a migração ilegal no país, em especial a partir da fronteira com o México. O Golfo do México, reiterou Trump, passará a se chamar Golfo da América.
O presidente afirmou que declarará emergência nacional de energia, de forma a retomar, em larga escala, a produção de fontes não sustentáveis, em especial petróleo e gás, para garantir as reservas estratégicas do país, bem como a disponibilização de energia para as indústrias norte-americanas. E prometeu também revogar obrigações de cunho ambientalista em favor de veículos elétricos, de forma a manter o compromisso com as montadoras de veículos com motores à combustão.
Trump voltou a afirmar que, para proteger os trabalhadores americanos, pretende tributar produtos com origem em outros países. Reiterou alguns de seus posicionamentos contrários à chamada ideologia de gênero, dizendo que “há apenas dois gêneros: o masculino e o feminino”, e que porá “fim à política de tentar fazer engenharia social da raça e do gênero, promovendo uma sociedade que será baseada no mérito, sem enxergar a cor”.
“Toda entrada ilegal será imediatamente impedida, e iniciaremos processo de devolução de milhões de imigrantes ilegais a seu país de origem. Restabeleceremos a política do ‘fique no México’ e porei em prática a lei de prender e deportar. Tropas serão enviadas para o sul para dificultar a entrada em nosso país. Além disso, vou designar os cartéis de drogas como organizações terroristas internacionais”, discursou o presidente, que, pela segunda vez, assume a Casa Branca.
Trump acrescentou que vai retomar uma legislação de 1708 sobre imigrantes, pela qual seu governo poderá utilizar todas forças de segurança pública para “eliminar gangues” que praticam crimes em cidades e bairros norte-americanos. “Como comandante chefe, não há responsabilidade maior do que defender nosso país de ameaças e invasões. Farei isso em um nível nunca antes visto em nosso país”, disse ele, ao afirmar que, em breve, alterará o nome do Golfo do México para Golfo da América.
O novo presidente disse que fará os EUA retornarem a seu lugar como a nação mais poderosa e respeitada do mundo. “Teremos a maior Força Armada que o mundo já viu”, afirmou.
Trump lembrou que o Canal do Panamá foi uma obra americana cedida àquele país, ao custo de 38 mil vidas perdidas durante sua construção. “Depois disso, fomos tratados de forma cruel, após oferecermos esse presente que jamais deveria ser dado. O espírito desse presente foi totalmente violado, com sobretaxas aos navios americanos. Não fomos tratados de forma justa, sobretudo pela China, que opera o canal. Por isso, vamos tomá-lo de volta”, prometeu.
“Minha mensagem hoje é de que é hora, mais uma vez, de agirmos com coragem, vigor e com a vitalidade das maiores nações da história”,complementou.
Trump anunciou que vai declarar emergência nacional da energia, com o objetivo de diminuir preços e ajudar setores industriais do país, além de recompor as reservas estratégicas de petróleo.
“Seremos mais uma vez um país industrial, com maior quantidade de petróleo e gás do que qualquer outro país. Diminuiremos os preços e preencheremos novamente nossas reservas estratégicas. E exportaremos nossa energia. Seremos novamente uma nação rica com o ouro negro que está sob nossos pés”, disse.
“E vamos pôr fim a acordos verdes. Vamos revogar as obrigações sobre veículos elétricos, salvando nossa indústria automotiva e mantendo compromisso com nossas montadoras”, acrescentou.
O presidente prometeu fazer, em breve, uma reforma do sistema de comércio “para proteger os trabalhadores e as famílias americanas. Por isso, em vez de tributar nossos cidadãos, estabeleceremos tarifas para outros países.”
No Brasil, o presidente Lula emitiu nota oficial para cumprimentar o presidente dos EUA.
“Em nome do governo brasileiro, cumprimento o presidente Donald Trump pela sua posse. As relações entre o Brasil e os EUA são marcadas por uma trajetória de cooperação, fundamentada no respeito mútuo e em uma amizade histórica”, afirmou Lula. O presidente brasileiro ainda destacou as “fortes” relações bilaterais, em diferentes áreas, ofereceu a continuidade das parcerias e desejou êxito a Trump.
“Nossos países nutrem fortes laços em diversas áreas, como o comércio, a ciência, a educação e a cultura. Estou certo de que podemos seguir avançando nessas e outras parcerias. Desejo ao presidente Trump um mandato exitoso, que contribua para a prosperidade e o bem-estar do povo dos EUA e um mundo mais justo e pacífico”, acrescentou.
Mais cedo, ao abrir uma reunião ministerial em Brasília, Lula já havia citado a posse de Trump, dizendo da expectativa de manter boas relações com a administração Trump.
“Tem gente que fala que a eleição do Trump pode causar problemas para a democracia mundial. O Trump foi eleito para governar os EUA. Eu, como presidente do Brasil, torço para que ele faça uma gestão profícua, para que o povo brasileiro e o americano melhorem, e para que os americanos continuem a ser o parceiro histórico que é do Brasil”, disse.
Ontem, dia da posse, o dólar fechou em queda após abrir em alta. A Bolsa de Valores iniciou o dia em baixa, mas subiu e aproximou-se dos 123 mil pontos.
O dólar comercial encerrou esta segunda-feira vendido a R$ 6,041, com queda de R$ 0,024 (-0,4%). A cotação iniciou o dia em alta, chegando a R$ 6,09 pouco antes das 10h, mas inverteu o movimento após a abertura do mercado norte-americano. Essa foi a primeira queda após duas altas consecutivas. Em janeiro, a moeda dos EUA cai 2,25%.
O mercado de ações teve um dia de oscilações. O índice Ibovespa, da B3, fechou aos 122.855 pontos, com alta de 0,41%. O indicador subiu pela segunda sessão seguida, impulsionado por ações de petroleiras e de bancos.
O dólar recuou em todo o planeta, sem surpresas no discurso de posse de Trump. A falta de detalhamento nas menções de elevação de tarifas comerciais por parte do novo governo norte-americano beneficiou os países emergentes nesta segunda-feira.
No Brasil, a venda de US$ 2 bilhões das reservas internacionais pelo Banco Central com compromisso de recompra também contribuiu para a queda da moeda norte-americana. Essa foi a primeira intervenção do BC no câmbio desde a posse do presidente do órgão, Gabriel Galípolo.
Para hoje, o BC não anunciou intervenção no câmbio. Em dezembro, a autoridade monetária tinha vendido US$ 32,59 bilhões, em meio a uma forte desvalorização do real.
Com informações da Agência Brasil, citando a Reuters
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