Até Elon Musk considera projeto de lei fiscal apresentado pelo Governo dos EUA uma “abominação nojenta”. A “grande e bela lei”, na qualificação feita por Trump, traz uma série de cortes de despesas sociais e a redução dos impostos sobre as empresas de 21% para 15%. John Plassard, especialista em investimentos do Grupo Mirabaud, afirma que o projeto reaviva memórias de 2018, quando a primeira reforma tributária de Trump remodelou profundamente a economia dos EUA. “Mas o contexto mudou: as expectativas são menos ingênuas, os mercados mais exigentes, e a dívida pública paira no horizonte.”
O objetivo declarado é aumentar a competitividade das empresas estadunidenses, incentivar o investimento interno, repatriar lucros mantidos no exterior e impulsionar o crescimento econômico. “Para avaliar as implicações dessa proposta, é instrutivo examinar os efeitos da grande reforma tributária anterior, a Lei de Redução de Impostos e Emprego (TCJA) de 2017”, assinala Plassard.
Em dezembro de 2017, a alíquota do imposto federal sobre as empresas caiu de 35% para 21%. “As empresas se beneficiaram de um ganho fiscal imediato e significativo. Os republicanos acreditavam que o crescimento compensaria parcialmente a perda de receitas fiscais. Porém, embora alguns setores tenham investido, a maioria dos fundos foi redirecionada para os acionistas. A reforma impulsionou mais os mercados do que a economia real, sendo uma transformação mais cíclica do que estrutural. E estabeleceu um precedente sobre como as empresas utilizam grandes benefícios fiscais”, analisa o especialista.
A aprovação da TCJA não gerou uma onda de investimentos produtivos, mas sim de recompras de ações. Em 2018, as distribuições aos acionistas subiram 3,7%, ou 11% em relação ao ano anterior. Essa estratégia elevou os preços das ações e o entusiasmo dos investidores. “Os ganhos fiscais foram usados para enriquecer acionistas, sem melhorias claras em produtividade ou emprego. O efeito foi desigual, beneficiando grandes empresas com muito caixa disponível.”
“Essas recompras reduziram o número de ações em circulação, inflando artificialmente o lucro por ação. O resultado foi uma valorização de mercado sem equivalente melhora nos fundamentos. A história sugere que um novo corte de impostos poderia repetir esse padrão: alta nos mercados, porém temporária”, avalia Plassard.
Segundo a organização National Bureau of Economic Research (NBER), a TCJA impulsionou o investimento interno em 20% no curto prazo para empresas diretamente afetadas. Mas esse efeito desapareceu rapidamente, devido à falta de políticas de apoio. Em relação aos salários, os ganhos médios reais aumentaram apenas 0,09%, segundo o Tax Policy Center. O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) estimou que o déficit fiscal aumentou em US$ 1,891 trilhão em 10 anos.
“Se a alíquota for reduzida para 15%, as maiores beneficiadas serão as grandes multinacionais, especialmente do setor de tecnologia. Os acionistas também ganham diretamente com dividendos e recompras. Já pequenas empresas, com menor exposição ao imposto federal, terão pouco benefício. Famílias de baixa renda serão pouco afetadas, enquanto desigualdades fiscais devem aumentar. O Estado verá queda nas receitas, sem garantias de que o crescimento compensará. A medida tende a ser regressiva, concentrando ganhos em empresas e indivíduos de alta renda, e podendo ampliar a sensação de injustiça fiscal”, projeta o especialista do Mirabaud.
O plano de Trump poderia aliviar a carga tributária de algumas famílias ao prorrogar cortes previstos na TCJA. Famílias com filhos, idosos e trabalhadores que recebem gorjetas seriam favorecidos. Pequenas empresas e autônomos manteriam deduções de 20% sobre a renda repassada.
No entanto, contribuintes sem filhos ou sem acesso a créditos específicos veriam pouco ou nenhum efeito. Pessoas de alta renda seriam os principais beneficiados, enquanto créditos para clima, saúde e educação poderiam ser reduzidos, prejudicando famílias modestas.
Para Plassard, se implementadas, as reformas podem provocar nova alta nos mercados, especialmente no Nasdaq, favorecendo ações de crescimento sensíveis à tributação. “Porém, a sustentabilidade da dívida pública voltaria à pauta.”
“O Fed pode ser forçado a apertar a política monetária mais cedo para conter superaquecimento. As empresas podem repetir 2018: menos investimento produtivo, mais distribuição a acionistas. O JP Morgan alerta para risco de boom artificial sem base econômica sólida. A volatilidade dos mercados de títulos pode aumentar, e agências de rating monitorarão de perto o cenário fiscal.”
A proposta segue em debate no Congresso, com custo estimado de US$ 500 bilhões ao ano. Analistas esperam uma decisão até o final de 2025, via processo de reconciliação orçamentária, mas o prazo é incerto.
“A história nunca se repete, mas muitas vezes rima: um corte de impostos pode gerar um choque de confiança – ou apenas uma ilusão passageira. Mercados podem reagir positivamente no curto prazo, mas a macroeconomia exige mais do que estímulo fiscal. Sem um plano industrial ou investimentos públicos sólidos, a reforma pode ser um fogo de palha com impactos duradouros sobre as finanças públicas”, finaliza a análise feita por John Plassard.
Projeto de corte de impostos de Trump adicionará US$ 2,4 trilhões ao déficit
O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO), órgão apartidário dos EUA, divulgou nesta quarta-feira uma análise prevendo que o projeto de lei de corte de impostos do presidente Donald Trump reduzirá os impostos em US$ 3,7 trilhões, o que adicionará US$ 2,4 trilhões aos déficits do país na próxima década.
A análise, publicada no site oficial do CBO em 4 de junho, mas datada de 20 de maio, também estima um aumento de 10,9 milhões de pessoas sem plano de saúde sob o projeto de lei, incluindo 1,4 milhão que estão no país sem status legal em programas financiados pelo estado.
O projeto de lei foi aprovado por uma pequena margem na votação da Câmara e agora aguarda a deliberação do Senado.
Orçamento corta recursos para vacinação global
O orçamento proposto pelo governo Trump para o próximo ano fiscal elimina o financiamento para programas que fornecem vacinas que salvam vidas em todo o mundo, incluindo imunizações contra a poliomielite. A proposta orçamentária, apresentada ao Congresso na semana passada, propõe a eliminação da unidade de saúde global dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), encerrando efetivamente seu programa de imunização de US$ 230 milhões, sendo US$ 180 milhões para a erradicação da poliomielite e o restante para o sarampo e outras doenças preveníveis por vacina.
O plano orçamentário também retira o apoio financeiro à Gavi, a aliança internacional de vacinas que compra vacinas para crianças em países em desenvolvimento.