Antigo ditado popular diz que “é melhor acender uma vela do que maldizer a escuridão”. O povo brasileiro, contudo, maldiz a escuridão sempre que é obrigado a acender velas durante a ocorrência de blecautes. O problema, aliás, não é novo e sequer deveria suscitar tanta surpresa. Afinal, quem não se lembra do ano de 1997, quando ocorreram vários apagões. Motivo: o sistema elétrico simplesmente não suportou o aumento do consumo, entre 1995 e 1996, de 8,6% nas residências, 7,7% no comércio e 4,3% na indústria. Já naquela época, como hoje, o sistema operava no limite. A capacidade do sistema interligado das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, exatamente onde se concentra a situação mais crítica, é de aproximadamente 41 mil megawatts. Há muito tempo, porém, tem operado, invariavelmente, com quase 40 mil megawatts. Portanto, a margem de segurança é ínfima. Basta uma pequena sobrecarga, distúrbio rotineiro ou chuva abaixo da média, como é o caso deste ano de 2001, para que nove Estados brasileiros fiquem muito expostos ao risco da escuridão.
Estes dados mostram que o problema não é novo e nem incidental, mas sim estrutural, com raízes nos equívocos passados da política para o setor, cuja privatização deveria ter-se iniciado há pelo menos 15 anos, quando ficou patente o esgotamento da capacidade de investimentos do Estado. É importante lembrar que os investimentos em infra-estrutura no Brasil concentraram-se, especialmente a partir de meados do século, na área estatal, uma tendência que se verificou com a eclosão da onda de nacionalismo resultante dos conflitos mundiais de 1914 e 1939. No entanto, a crise crônica do Estado, sobremaneira no que tange ao desequilíbrio fiscal, praticamente paralisou aqueles investimentos. A resposta ao problema começou a surgir – tardiamente, mas em tempo de reverter a situação a médio prazo – há cerca de cinco anos, quando desencadeou-se o processo de privatização dos serviços de geração, transmissão e distribuição de energia. O modelo brasileiro parece eficiente, conferindo ao Estado a responsabilidade pela normalização e fiscalização da infra-estrutura e à iniciativa privada, o direito de investir em áreas vitais para o desenvolvimento nacional e com imenso potencial para gerar lucro e, o que é mais importante, empregos. Em São Paulo, o processo de privatização das companhias energéticas realizou-se com muito êxito, demonstrando haver um caminho a ser seguido para evitar que o colapso no setor energético prejudique o processo de desenvolvimento do País. Para o sucesso desta meta de garantir a oferta do insumo mais fundamental nesta era da eletrônica, da robótica e da informática, numa sociedade movida a energia elétrica, é necessário programar novos investimentos, além dos já previstos inicialmente nos próximos cinco anos. Também é preciso antecipar obras, revendo os cronogramas das construções, para que, em 2002 ou, pelo menos, em 2003, o Brasil não fique, novamente, refém de “São Pedro”.
A situação, de fato, é grave, mas há alternativas. Nesse processo, todos devem empenhar-se na busca de soluções. O Estado, apesar da privatização, e as novas concessionárias do setor privado, que jamais devem perder de vista o fato de que prestam um serviço público. A Nação tem pela frente um velho problema, ao qual se está dando uma indevida dimensão de novidade. É preciso identificar com clareza a origem e a causa dos problemas. Mais do que a “surpresa” do apagão é preciso ter consciência de que o regime pluvial deste ano é apenas um componente circunstancial de todo um sistema que, há muito, opera no limite de sua capacidade. Daqui a alguns anos, se não se realizarem os investimentos necessários, nem uma reedição do dilúvio tiraria o Brasil da escuridão. O Estado deve fiscalizar o cumprimento dos compromissos assumidos pelas concessionárias à época da privatização, garantindo o aporte mínimo de capital na geração, transmissão e distribuição. É necessário, por exemplo, viabilizar a utilização de energia proveniente de áreas onde há oferta mais abundante em relação ao consumo, em regiões com mais carência de eletricidade.
Dimensionar essas possibilidades, planejar e viabilizar esse avanço tecnológico do sistema constituem responsabilidade inerente ao Estado.
Necessário, também, investir em fontes alternativas de energia (gás, co-geração, eólico, nuclear e outras), reforçando e tornando mais forte a nossa matriz energética. Soluções existem e, certamente, todas as medidas necessárias serão adotadas. Afinal, o Brasil não pode, ao invés de adentrar definitivamente no Século XXI, retroceder à idade das trevas.
Ruy Martins Altenfelder Silva
Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo e presidente licenciado da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje).