Os motoristas de aplicativos – Uber, 99 etc. – integram um tipo de tecnologia conhecida como “disruptiva”, isto é, tecnologias que rompem um paradigma e criam uma situação nova. A questão que envolve a existência de vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativos de Uber não é nova.
Na Inglaterra, o Uber recorreu de decisão judicial tomada por uma corte do Reino Unido em novembro de 2017, que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre os motoristas e a empresa. O juiz alegou que os motoristas cadastrados no aplicativo não são autônomos e teriam direito a salário mínimo nacional e férias remuneradas.
Em sede de recurso, a empresa alegou que os motoristas de táxis são autônomos há bastante tempo e que, segundo um estudo recente da Universidade de Oxford, além de ganharem mais do que o salário mínimo do país, os motoristas queriam manter a liberdade e flexibilidade, benefícios que seriam perdidos caso fossem classificados como trabalhadores da empresa. A Suprema Corte do Reino Unido definiu que motoristas da Uber são funcionários do aplicativo, e não trabalhadores autônomos. Por isso, têm direito a salário mínimo, aposentadoria e férias remuneradas, entre outros direitos.
Aqui no Brasil, a 5ª Turma (RR-100123-89.2017.5.02.0038) entende pela inexistência de relação de emprego entre os motoristas e o aplicativo de transportes. A decisão tem por base a inexistência de onerosidade e subordinação da relação. No voto, foi adotada a tese que o alto percentual sobre os valores pagos pelas viagens recebidos pelos motoristas impedia a onerosidade, um dos requisitos exigidos para caracterização do vínculo trabalhista. Por outro lado, a flexibilidade do motorista quanto a determinação de sua rotina de trabalho, escolha de clientes, jornada de trabalho de itinerário, retiram outro requisito do vínculo empregatício, a subordinação.
No mesmo sentido, a 4ª Turma (AIRR -10575-88.2019.5.03.003) entendeu que a atividade de motorista de aplicativo de Uber mais se aproxima com a do transportador autônomo, regida pela Lei 11.442/2007.
Entendo que a relação do motorista e aplicativo de Uber é um novo contrato firmado em novos parâmetros, que não afastam os requisitos caracterizadores da relação de emprego. Segundo a CLT, para que uma pessoa seja considerada empregada de outra é preciso que seja pessoa física, que preste serviços a outra pessoa física ou jurídica pessoalmente (pessoalidade), em caráter habitual (habitualidade), sob subordinação jurídica (subordinação) e mediante salário (onerosidade). Os motoristas satisfazem rigorosamente a todos e podem ser, em tese, considerados empregados:
– Pessoalidade do motorista – o motorista de aplicativo se inscreve na plataforma e passa a ser titular de uma matrícula, que lhe é exclusiva, não podendo ceder a sua matrícula a um terceiro para que passe a trabalhar em seu lugar quando não puder ou não quiser ir.
– Recusas frequentes de recorridas de passageiros podem levar a seu desligamento;
– Equilíbrio entre o “alto percentual sobre os valores pagos pelas viagens recebidos pelos motoristas” com o gasto com despesas com o veículo, tais como manutenção, combustível, aluguel…;
– Empresa escolhe o carro e determina a contratação de seguros;
– Poder diretivo do empregador de punir ou “descredenciar’ o motorista de acordo com as recusas de viagens e clientes.
– Controle dos motoristas nos tempos offline, em que são obrigados a prestarem explicações, sob pena de sofrerem punições.
Negar o reconhecimento de vínculo ao motorista de aplicativo de Uber é admitir a exploração da mão de obra sem qualquer proteção legal. O Judiciário não pode acobertar situações antijurídicas. O que os motoristas de aplicativo precisam para ontem é de uma lei específica que assegure a sobrevivência da profissão sem matar os profissionais.
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