Convido o leitor a fazer um exercício durante a semana. Pegue o metrô no horário do rush e tente achar alguém lendo um jornal impresso ou um livro à moda antiga. Vai ser difícil. Por observação livre, arrisco dizer que 90% das pessoas estarão olhando celular, trocando mensagens de WhatsApp ou simplesmente rolando a tela do telefone para cima. A sensação é que estamos lendo menos.
Apesar disso, indo contra a maré, alguns sebos resistem vendendo livros no Centro do Rio de Janeiro, mantendo uma clientela fiel que não se incomoda com o calor entre as estantes apertadas. Perto da Praça Tiradentes, na Avenida Passos, a Academia do Saber tem duas lojas. A Livraria Silverio, do outro lado da calçada, é mais uma opção. Se virar a esquina e entrar na Rua Luís de Camões, o leitor anda mais alguns metros e, pouco depois do Real Gabinete Português de Leitura (uma preciosidade!), vai encontrar duas lojas da Letra Viva – a segunda é uma espécie de antiquário, um espaço amplo e convidativo para quem aprecia casas do ramo. E aqui me atenho exclusivamente a esse pedacinho do Centro, que chegou a ser condenado na época da pandemia, mas, ao que parece, vai retomando, mesmo que de forma gradual, um pouco da pulsação de outrora.
O amigo leitor que quiser se aventurar por esse roteiro improvisado da Avenida Passos e cercanias pode aproveitar a deixa para tomar um café e comer uma madrileña(uma espécie de pão doce com goiabada) na Confeitaria Manon, na Rua do Ouvidor, a uns 500 metros da Letra Viva. Fundada em 1942, a histórica doceria foi usada de cenário para a gravação de uma das cenas de Ainda Estou Aqui. Nela, Eunice Paiva lancha com os filhos e, vendo outras famílias reunidas, sente uma tristeza profunda ao perceber que nunca mais terá esse privilégio. A ausência do marido é uma dor profunda que ela não pode compartilhar com os filhos. Só essa cena já vale o Oscar para Fernanda Torres.
Abre parênteses. Tenho a impressão que Walter Salles quis reproduzir na Manon a tradicional Chaika com seus waffles inesquecíveis, na Visconde de Pirajá, pertinho da Praça Nossa Senhora da Paz. Fechada em 2012, ela ficava ao lado da também icônica Confeitaria Ipanema, que, infelizmente, fechou as portas esse ano. Mas, voltemos ao Centro da cidade e ao nosso passeio pela região. Fecha parênteses.
Saindo da Manon, o leitor pode caminhar por mais um quilômetro e dar outra parada estratégica na Rua Sete de Setembro, na Casa Cavé, para apreciar um dos inúmeros doces expostos no balcão que está ali desde 1860. Nem vou falar da Colombo, na Gonçalves Dias, pois nessa fica difícil de conseguir lugar, fazendo jus ao ponto turístico que é.
Depois de circular pelos sebos, passar no Real Gabinete Português de Leitura e engordar algumas gramas nas confeitarias, é hora de almoçar. Vou então lhe dar quatro opções: vamos começar pelo mais antigo, o Rio Minho, na Rua do Ouvidor, fundado em 1884. Um misto de cozinha portuguesa com espanhola, é indicado para quem curte frutos do mar servidos naquelas belas e rústicas travessas de barro. Suas paredes de madeira são um charme à parte e nos fazem sentir o cheiro dos tempos do imperador.
Os outros três pontos são mais “novos”, abertos entre 1906 e 1913. A Leiteria Mineira, na Rua da Ajuda, na boca do metrô da Carioca, serve língua com purê e bife de fígado à Lisboeta, além de outros pratos supertradicionais. Mas não tente escolher strogonoff de carne no dia do strogonoff de frango. Eles têm dias específicos, e em tradição não se mexe. Fora isso, você pode fazer todos os pedidos da mesa de uma só vez que o Seu José, com mais de 60 anos de casa, vai memorizar e trazer tudo certinho – e rápido. A conta ele faz na mão, em uma tirinha de papel, e o cliente, por óbvio, não confere. Nem uma calculadora HP 12C turbinada faria melhor.
A Casa Urich é pertinho da Leiteria e dá para ir andando. Em cinco minutos você chega na Rua São José e, com sorte, acha uma mesa para comer um tradicional prato alemão. Pode ser o kassler defumado com chucrute e salada de batata ou, se preferir, apenas o salsichão (vermelho ou branco) com croquetes e mostarda escura. Na parede, sobre os azulejos brancos e verdes repousam alguns quadros antigos com fotos em preto e branco.
Para fechar esse tour, se ainda tiver disposição nesse calor incivilizado, o leitor pode andar pela Avenida Rio Branco, atravessar a Presidente Vargas e sentar nas mesinhas de madeira com toalha de plástico vermelha da Casa Paladino, na Rua Uruguaiana, esquina com Marechal Floriano. Você pode então escolher entre umas 50 combinações de omelete ou 30 opções de sanduíches generosamente recheados. Se preferir, peça para a omelete vir dentro do pão. Na saída, pode comprar uma cachaça ou uma lata de azeite. Os preços são fáceis de identificar: estão escritos à mão.
Bom, para fechar, nada melhor do que um bom café. Ao sair do Paladino, dobre à direita e peça um pingado no Café Capital, há mais de 80 anos servindo a bebida no mesmo local. Sempre cheio. O Centro do Rio resiste e o carioca, orgulhoso, agradece.
Lendo o texto acima sobre o Rio de janeiro. Eu digo: eu sou carioca da gema. Eu grito bem alto. Eu amo a minha cidade, principalmente o centro da cidade. Amo o Rio. Amoooooooo
Uma pequena correção: o doce mencionado da Manon é madrileño (no masculino).
O centro do Rio merece uma caminhada de passos lentos ,para a precisar. Eu detesto shopping, gosto mesmo é de um bater perna pelas lojas de rua e depois aquela paradinha para um café ou um almoço, adoro os restaurantes de comida árabe e libanesa e as boas cafeterias já citadas, não podemos esquecer da Cachaçaria na rua da Carioca
.o café e a excelente torta de damasco.