Uma estrutura organizacional para o estado nacional trabalhista

A organização do Estado Nacional Trabalhista, abordando história, cultura e desafios do Brasil frente ao neoliberalismo. Por Pedro Pinho.

67
Bandeira do Brasil e Congresso (foto Marcello Casal Jr, ABr)
Bandeira do Brasil e Congresso (foto Marcello Casal Jr, ABr)

Álvaro García Linera, ex-vice-presidente da Bolívia (2006-2019), é também um intelectual, professor, que, em 2010, pronunciou conferência na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires sobre “A Construção do Estado”. “O que chamamos de Estado?”, inicia socraticamente Linera. E, entre diversas perspectivas, ele afirma: “O Estado vem a ser suas instituições.”

Mas não só é composto desta materialidade, que Lenin denominava “a máquina do Estado”, há um sentimento, uma lembrança, uma afeição que domina a todos, quando entoam o Hino Nacional ou torcem pelo país em disputas esportivas internacionais ou saboreiam comidas típicas de nosso lar. Podemos então dizer que o Estado tem corpo e alma.

Neste artigo trataremos do corpo, das instituições, de um modelo organizacional. Ao tratar da cultura, proximamente, entraremos então na alma do Estado.

Dalmo de Abreu Dallari (1931-2022), jurista paulista, afirmou que as múltiplas orientações, que se poderiam dar ao Estudo do Estado, resumir-se-iam em três:

Espaço Publicitáriocnseg
  • (a) a justificativa para o Estado, uma perspectiva filosófica;
  • (b) a realidade dos fatos concretos, aproximando-se de uma sociologia do Estado; e
  • (c) sua normatividade, criada pelo direito.

O mestre paulista as condensava, como o fizera o italiano Alexandre Groppali, considerando sua totalidade filosófica, sociológica e jurídica, que Groppali subordinava à Constituição. No entanto, a preservação de seus valores e culturas constitui características que devem marcar qualquer sociedade, não impedindo seu avanço e correções, em especial na sociedade tão desigual quanto a brasileira.

A ideia do futuro do Estado sob um pensamento idêntico, um máximo de concentração no máximo de extensão do poder político, não é o sonho megalomaníaco do neoliberalismo financeiro. Ele esteve muitas vezes no passado como projeto de religiões e chega ao século 20 como a Organização das Nações Unidas (ONU), antepondo-se à sua extinção, “quando for, finalmente, representante verdadeiro de toda sociedade” (Marx e Engels).

Em 6 de junho de 2014, Xi Jin Ping pronunciou palestra, na 7ª Conferência para a Amizade de Associações de Chineses de Ultramar, concluindo com as seguintes palavras: “O sonho chinês é o sonho do nosso povo na busca da felicidade e está interligado com os sonhos de felicidade dos povos de todo mundo. Somente quando o país e a nação estiverem bem, todos nós poderemos ficar bem. Somente quando o mundo prosperar, a China poderá se desenvolver. A China persiste em seguir o caminho do desenvolvimento pacífico e se empenha positivamente para a prosperidade e o desenvolvimento do mundo”.


Quem é o povo?

Com esta indagação, o professor da Faculdade de Heidelberg (Alemanha), Friedrich Müller, onde foi diretor, intitula seu livro de 1998, para Editora Revista dos Tribunais (São Paulo).

“O povo não é apenas – de forma indireta – a fonte ativa da instituição de normas por meio de eleições bem como – de forma direta – por meio de referendos legislativos; ele é de qualquer modo o destinatário das prescrições, em conexão com deveres, direitos e funções de proteção”.

“O povo aceita o ordenamento jurídico como democrático e o aceita não se revoltando contra ele”. Porém que povo é este? Dos eleitores vitoriosos e vencidos. O Estado desse povo não é sujeito, mas uma propriedade material.

O filósofo austríaco Karl Polanyi (1886-1964), em seu mais célebre livro, A Grande Transformação (1944), escreveu: “Separar o trabalho das outras atividades da vida e submetê-lo às leis do mercado é aniquilar todas as formas orgânicas de existência e substituí-las por um tipo diferente de organização, atomista e individualista”.

O povo assim existente não é capaz de erigir seu Estado Nacional, que o protegerá e ao qual esta pessoa, o povo, sentir-se-á obrigado a defender, até com a própria vida. Polanyi, na mesma obra, acrescenta que “a instauração de um mercado de trabalho é claramente manifesto nas regiões coloniais”, enfatizando a dominação estrangeira.

Logo, os colonizados trabalhadores não terão muito a dizer de sua própria condição, deste humilhante e desumano destino, como os negros transportados, no século 16, pelo traficante de escravo e construtor naval inglês John Hawkins (1532-1595).

Ainda em Polanyi: “O mercado foi o produto de intervenção consciente e muitas vezes violenta por parte de governos que o impuseram, com vista a fins que não eram econômicos, mas organizacionais à sociedade.”

Paralelamente, ocorreu a evolução tecnológica, na segunda metade do século 20, transformando a sociedade mecânica na eletrônica termonuclear, e, neste século 21, na virtual. O povo desinformado e dominado por credos e conceitos, dos mais estapafúrdios, fica cada vez mais distante de sua soberania, de ser, “o verdadeiro dono do País”, como afirmou Xi Jin Ping.

O nacional trabalhismo é um humanismo que valoriza o trabalho e a condição humana. O inseto que se confunde com o ramo, para se fazer oculto na imobilidade vegetal, prefigura o homem que se enterra no conformismo para fugir a suas responsabilidades de cidadão e a efusões sentimentais para não ter que afrontar fatos, ideias e outros homens.


As organizações de hoje e outrora, ideologia e história

O Brasil é formado por povo miscigenado e, pela sua grande extensão territorial, se defronta com as condições ambientais das mais distintas. Trata-se, pois, em primeiro lugar, de identificar a menor unidade organizacional do Estado Brasileiro, para lhe atribuir responsabilidades e modo de gestão.

Nas condições atuais, de 2022, possui 5.568 municípios, um distrito federal (Brasília) e um distrito estadual (Fernando de Noronha). Em relação aos distritos, o país registrava 10.670, e 643 subdistritos. No entanto, esta divisão atendeu a questões político familiares, muito mais do que o projeto de País.

Deverá, por conseguinte, ser revista, dentro de critérios geográficos, aí incluídos a população, sua história e os recursos para manutenção das suas existências.

Ao iniciar seu curso sobre o Estado, no Collège de France, Pierre Bourdieu (1930-2002) alertava sobre “precaver-se contra as ideias feitas, contra a sociologia espontânea” (P. Bourdieu, Sur L’État. Cours au Collège de France (1989-1992), Éditions Raison d’Agir, du Seuil, Paris, 2012).

Max Weber (1864-1920), na célebre obra póstuma Economia e Sociedade (1920), define Estado pelo “monopólio da violência legitima”, que Bourdieu adiciona, “violência física e simbólica”, introduzindo a noção moral de Émile Durkheim (1858-1917), As Formas Elementares da Vida Religiosa (1912), como a segurança emocional proporcionada pela vida em comunidade.

O Estado seria, então, a integração lógica e moral do mundo social, ou seja, a condição do acordo sobre os terrenos do desacordo. Ideia que contraria as perspectivas marxistas de Antonio Gramsci e Louis Althusser, que se fundamentam no clássico A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), de Friedrich Engels (1820-1895).

Engels tomou a antiga Atenas para observar a evolução do Estado, “o costume de herança de cargos públicos já se tinha transformado em direito que as famílias, poderosas por suas riquezas, formam, fora de suas gens, uma classe privilegiada, destruindo os laços gentílicos, sendo esta distinção o primeiro sintoma da formação do Estado”. Em síntese, o poder do dinheiro suplanta o das gens, da fraternidade, da tribo, para constituição do Estado.

Estudando os Sistemas Políticos Africanos (1940), Meyer Fortes (1906-1983) e Edward Evans-Pritchard (1902-1973) discorreram sobre diversas sociedades africanas e suas modalidades de constituir “Estados” (conforme edição traduzida por Teresa Brandão para Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1981).

Iniciemos pelos “Zulos”, povo bantu que migrou, por volta do século 15, para o sudeste da África, ocupando área, estimada por Alfred Thomas Bryant (Olden Times in Zululand and Natal, 1938), superior a 210 mil quilômetros quadrados. Era povo pastoril, sob domínio de um chefe hereditário, espalhados e dirigidos pelos irmãos do chefe. Havia a assimilação de estrangeiros mas não havia guerra de conquistas. Os casamentos eram autorizados pelo governante. A chegada dos “boers”, por volta de 1840, destruiu e confinou o povo zulo. Os zulos se dividiam em tribos de tamanhos variados, mas o poder destas tribos era outorgado pelo rei da nação, e, no mais das vezes, era o nascimento real a forma de obter status político.

Vejamos a organização política dos “Ngwato” do Botswana, país central da África Austral, antigo protetorado inglês da Bechuanalândia. Também a hereditariedade é a formadora das governanças e das atividades dos chefes das aldeias, onde se destacam as judiciais, que são públicas e com a participação dos presentes.

Examinemos, agora, o povo “Bemba”, também formado dos bantos, porém mais recente, há cerca de pouco mais de 200 anos, no planalto de Tanganica, onde hoje existe o Zaire, antigo Congo Belga, dispersos numa densidade média de duas pessoas por quilômetro quadrado. Pela tradição oral, os bemba encontraram um território vazio, e parece que não houve qualquer reação à sua ocupação. Mais uma vez é o parentesco que determina o poder, apenas que, nesta população, prevalece a matrilinearidade. Os homens são identificados pela avó materna e a chegada mais antiga ao país atribui status mais elevado à família.

Observemos outro povo da África Central, os “Ankole”, de Uganda, próximos ao Lago Vitória. Geograficamente, os ankole situam-se num corredor que liga o Nilo ao centro-sul da África, com a típica savana de colinas relvadas e arbustos de acácia. Também têm sua origem nos bantos. Muitas lendas cercam a existência deste povo, algumas nitidamente originadas da influência islâmica no leste da África. O poder político se originava de famílias extensas, de linhagens frouxamente entrelaçadas, onde a cooperação fazia surgir as lideranças. Os proprietários do gado ligavam-se em associações e a escravidão era parte das relações sociais. O exercício do poder se dava em torno do rei e de um sistema de cargos, forças militares e especialistas que lhe sustentavam a autoridade. Assim se formavam as dinastias que também incluíam poderes mágicos e religiosos. Há diversos pontos de contato com o que se observava na Europa, na constituição dos reinos, pelos anos 1300/1400, com o fim da Idade Média.

Apenas mais um exemplo, desta vez na costa atlântica, onde hoje está Gana, e foi, anteriormente, denominada Costa do Ouro. Ali habitavam, na parte mais ao norte, entre os rios Volta e Níger, pessoas negróides, de fala e cultura comuns, os “Tallensi”. Diferente dos “bemba” e como ocorre pela África majoritariamente, a linhagem do clã é patrilinear, agnática. De acordo com Meyer Fortes (The Dynamics of Clanship Among the Tallensi, 1945), embora a dispersão territorial promova relativa autonomia, “as forças centrípetas do culto religioso, da interdependência política, promovem a união que mantém o equilíbrio estrutural e a descendência”.


Uma perspectiva para o Brasil

No atual estágio de imensa ignorância, pela orientação neoliberal financeira do poder no Brasil, desde 1980, e pela imprescindível necessidade da organização do Estado Nacional representar o modo de convivência de todos cidadãos brasileiros, é pré-requisito um programa educacional que leve, desde as primeiras letras aos cursos universitários, o conhecimento político e a identidade nacional a toda população. O Brasil precisa aprender sua história e sua formação política antes de se arvorar em modificar a péssima situação em que se encontra, de orçamentos secretos, de informações propositalmente falsas, de subornos e corrupções nas ações públicas e privadas. Neste absoluto desdém pelo trabalho e pelos benefícios e regalias que usufruem os capitais financeiros, rentistas, sugando os recursos do País.

Enquanto não atingimos a condição de traçar nosso próprio caminho, vamos observando que os momentos nos quais o Brasil mais prosperou, como país formalmente independente, foram apodados ditaduras: o governo do Estado Novo (1934 a 1945) e dos três presidentes ex-tenentistas, que lutaram contra a revanche dos latifúndios e bancos ingleses em 1932, e dirigiram o Brasil de 1967 a 1979.

O executivo, naqueles períodos, incorporou funções legislativas e, até, judiciárias, porém à revelia do povo, sem a participação dos cidadãos. É necessária ter estrutura que envolva, desde o planejamento até a execução e a fiscalização, toda população de mais de 18 anos.

Desse projeto organizacional tratar-se-á em próximo artigo.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui