Uma fusão que prejudica o Brasil

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A fusão da Brahma com a Antarctica não deve ser aprovada pelo Cade porque não traz benefício algum para a sociedade brasileira. Perderão os consumidores, trabalhadores e fornecedores do setor cervejeiro e a população em geral, porque o governo deixará de arrecadar impostos. O pior é que a proposta vem sendo dada como um fato consumado, quando ainda nem tiveram início discussões de suma importância como a que envolve o tema da livre concorrência.
Cercada de muito ufanismo, a chamada “multinacional verde-amarela”, anunciada no início de julho, causou mais otimismo do que apreensão, sem que tenham sido consideradas as particularidades do segmento. Desemprego, queda de arrecadação, descontrole de preços são o mínimo que já se pode vislumbrar, caso seja concretizada com restrições.
Não se trata de ir contra toda e qualquer fusão. Há situações em que a economia de escala, mercado internacional e produtos de commodities, como siderurgia, petroquímica, entre outros, propiciam que as fusões possam ser geradoras de eficiência. No caso das cervejas, o cenário é outro.
Além de não exigir grandes escalas de produção, devido à regionalização de seus mercados de atuação, a cerveja tem sua qualidade aliada ao seu frescor, o que não se consegue de forma ideal quando o produto é submetido a grandes distâncias.
No mundo inteiro as líderes de mercado são sempre indústrias locais, sendo que as estrangeiras nunca detêm mais do que 5% de participação. No Brasil, as importadas representam cerca de 0,3% no momento, sendo que em períodos de desabastecimento interno e impostos de importação reduzidos, conforme ocorreu em 96, as marcas estrangeiras atingiram um “máximo” de 2,2% do mercado nacional, o mesmo tendo ocorrido em toda a América Latina. Não é exagero afirmar que, nos Estados Unidos, país que está no epicentro das megafusões, é inimaginável qualquer espécie de união entre Miller e Budweiser, pelo grau de concentração que o mercado atingiria, isto é, caso uma fusão desse gênero conseguisse ultrapassar a fase de análise e autorização, o que somente acontece depois de assegurados os princípios da livre concorrência. É uma forma preventiva de agir do governo, no sentido de defender os interesses e a capacidade de competir de suas próprias empresas.
Quarto mercado consumidor de cerveja no mundo, movimentando aproximadamente R$ 8,5 bilhões, o Brasil exibe alguns números substanciosos: cerca de 35 mil funcionários diretos e uma arrecadação fiscal que gira em torno de 50% do total em recursos. Fica claro, portanto, que uma fusão – que deve gerar uma queda expressiva de arrecadação e um grande número de demissões – não foi concebida com a finalidade de fortalecer o mercado interno.
Não haverá como evitar o enxugamento das unidades fabris, muitas delas ociosas, e, sobretudo, a redução do número de trabalhadores do setor. Basta aplicar a seguinte lógica da produtividade: a Brahma, com menos funcionários do que a Antarctica, tem quase o dobro de produtividade do que a sua antiga concorrente.
Os próprios idealizadores afirmam que o propósito da “multinacional verde-amarela” é o de ganhar mercado em outros países da América Latina, onde, aí sim, serão criados empregos; a fusão pode ser boa para o Equador, Colômbia e outros países, mas nunca para o Brasil. Além disso, nada impede que depois de consolidada a empresa venha a ser vendida. Essa conjectura já foi feita, inclusive, pelo novo ministro do Desenvolvimento, Alcides Tapias, ao tecer seus primeiros comentários sobre a proposta de fusão.
A Cervejarias Kaiser orgulha-se de atuar somente no segmento cervejeiro, destacando que, apesar da Coca-Cola possuir 10% de suas ações, e dos distribuidores brasileiros terem sido responsáveis pela sua criação e desenvolvimento, a Kaiser nunca se desviou da sua missão: melhorar o negócio da cerveja. A parceria com a cervejaria holandesa Heineken, por exemplo, que conta com uma participação de 14%, foi realizada com o intuito de garantir o que há de melhor em termos de tecnologia, no mundo.
Com a fusão entre Brahma e Antarctica, perderá o consumidor, que ficará à mercê dos aumentos de preços, em função de uma “liderança” e de um extenso portfólio de marcas. Em alguns casos, o domínio será de até 95,7% do mercado, como no Ceará, e nunca menor de 55,1% de participação, como é o caso do Paraná, segundo dados do Instituto Nielsen.
Um país só dá grandes passos quando sabe dizer não a versões que se transformam em “verdades absolutas”, que ninguém quer contestar ou discutir. A sociedade deve dizer não à AmBev porque um pequeno grupo não pode ter vantagens privadas em detrimento do benefício público.

Humberto Pandolpho
Administrador de empresas com especialização em marketing e finanças pela Universidade de Michigan e presidente da Kaiser.

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