A coluna iniciou, semana passada, seção em que traduz o “embromês” gerado nas elites e propalado por nossa mídia. A destruição de um patrimônio da humanidade, neste domingo, vale mais que mil palavras. O incêndio de milhões de anos de História explica o que é “responsabilidade fiscal”, “teto de gastos”, “gestão responsável” e outras embromações do gênero.
A tragédia que abateu a Cultura mundial está sendo condenada pelos personagens de sempre, que responsabilizam os culpados de costume. Os jornais (que defendem a “responsabilidade fiscal”) culpam os cortes de verbas; os servidores (farinha pouca, meu pirão primeiro) criticam a retenção de repasses; o âncora da rádio (do grupo que recebe centenas de milhões em publicidade estatal) demoniza os incentivos fiscais às produções culturais; presidente e ex-presidentes (desde Juscelino, nenhum visitou o Museu Nacional) lamentam a perda e atacam o descaso com a cultura; a população (que nunca frequentou o espaço) critica os políticos que desviam verbas.
A discussão dominará o cenário nas próximas 72 horas. Busca de culpados, críticas ao trabalho dos bombeiros, reportagens sobre outros bens culturais ameaçados, projetos de lei… Antonio Carlos Sartini, que era diretor do Museu da Língua Portuguesa quando a instituição pegou fogo, em dezembro de 2015, diz que, “daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento”. Lá, também, falou-se da falta de água nos hidrantes, das dificuldades em se manter um prédio histórico…
Os bens culturais do Rio de Janeiro definham, mas sobra verba pública de quase R$ 10 milhões para a Fundação Roberto Marinho tocar os museus do Rio e do Amanhã (isto, após a Prefeitura cortar parte da dotação, que chegava a R$ 22 milhões). A ONG dos filhos do Roberto Marinho ainda pode captar, com isenção fiscal, outros R$ 28 milhões. Enquanto isso, o Museu de Arte Moderna (MAM), com seus 70 anos, e que há 40 anos e dois meses pegou fogo, planeja leiloar um quadro de Jackson Pollock para constituir um fundo e poder sobreviver.
Temer chamou bancos para custear a reconstrução do Museu Nacional (não tinha seguro?). Com recursos via Lei Rouanet. Todos consternados, desde que não precisem gastar um tostão. Pode-se usar benefício fiscal da Viúva e ainda fazer propaganda de bom-mocismo. E todos já podem voltar a defender o ajuste fiscal, a prioridade absoluta para pagamentos de juros, os penduricalhos salariais… Quanto aos 200 anos do Museu Nacional? Ora, há muitos museus mais antigos na Europa (não, em Miami, não; o mais antigo lá tem 101 anos).
Quando o leitor terminar esta nota, a União terá pago R$ 3 milhões em juros. Cinco vezes o dinheiro necessário para repor – com juros, e com duplo sentido – a verba cortada nos últimos três anos que deveria ter sido repassada pela UFRJ (que, em crise, não tem como fazê-lo).
Nero
O ex-governador paulista Geraldo Alckmin, candidato tucano à Presidência da República, não esperou as cinzas esfriarem para defender a entrega da gestão do Museu Nacional a Organizações Sociais (OS), benesse para os amigos do poder. “Em São Paulo, tivemos bons resultados com OS.”
Desde julho de 2012, por meio de contrato com o Governo do Estado de São Paulo, o IDBrasil Cultura, Educação e Esporte (“entidade privada sem fins lucrativos, qualificada como Organização Social de Cultura”) é responsável pela gestão do Museu da Língua Portuguesa.
O prédio da instituição pegou fogo em dezembro de 2015.
Culpado!
Alguns investigadores de Curitiba não têm provas, mas estão cheios de convicção de que Lula mandou botar fogo no Museu Nacional.
Incêndios na UFRJ
2011 – Campus Praia Vermelha; 2012 – Prédio da Faculdade de Letras; 2014 – CCS; 2016 – Reitoria; 2017 – Alojamento. Deve ser culpa da esquerda, que não sabe gerir o patrimônio público.
Pano rápido
A apresentadora do RJTV, da Globo, fazia entrevista ao vivo em frente ao Museu, quando apareceu um rapaz gritando: “A Globo apoiou o Teto dos Gastos.”
Rápidas
Nesta terça-feira, a OAB realizará mobilização pela campanha “Mero aborrecimento tem valor”. Muitas decisões judiciais entendem que o dano ou o prejuízo causado ao consumidor não passa de “mero aborrecimento” *** Entre 5 e 8 de setembro, Maceió recebe o 62º Congresso Brasileiro de Oftalmologia *** O Instituto Justiça & Cidadania, em parceria com o STJ, realizará em 26 de setembro, das 9h às 13h, o evento “O Agronegócio na Interpretação do STJ”, no auditório externo do Tribunal, em Brasília. Inscrições em www.institutojc.com.br