Nos últimos anos, o início dos campeonatos estaduais é acompanhado por diversos questionamentos relacionados às suas existências. Na verdade, esses questionamentos são bastante focados nos campeonatos Paulista e Carioca, mas eles acabam sendo replicados para todos os campeonatos como se tudo fosse uma coisa só.
Outro aspecto dessas discussões, geradas, principalmente, pela imprensa esportiva, é que elas são focadas em críticas, mas não em soluções. Quando muito, as discussões terminam com belos “a CBF e as federações deveriam pensar em alguma solução”.
Mas será possível apontar uma solução para os campeonatos estaduais? Sim, é possível, mas antes precisamos fazer algumas contextualizações.
Grande parte dos campeonatos estaduais já possuem mais de 100 anos de idade.
O primeiro campeonato a ser disputado no Brasil foi o Paulista, isso no distante ano de 1902. O segundo não foi o Carioca, e sim o Baiano, em 1905. O Campeonato Carioca foi o terceiro, em 1906. Até 1920, nós tivemos os campeonatos paraense1 e paraibano, 1908; amazonense, 1914; mineiro, fluminense, paranaense, pernambucano e cearense, 1915; piauiense, 1916; capixaba, 1917; sergipano e maranhense, 1918, e acreano, potiguar e gaúcho, 1919.
Discutir o fim de campeonatos centenários, que estão na base do futebol brasileiro até hoje, é de uma estupidez sem tamanho. Diga-se de passagem, essa discussão mostra um traço da nossa cultura, pois além dos campeonatos estaduais serem criticados, no Brasil se critica a Copa América, disputada pela primeira vez em 1916, e a Copa Sul-Americana, essa mais recente, disputada pela primeira vez em 20032. Isso porque, até alguns anos atrás, se torcia a cara para a Copa do Brasil. A título de comparação, enquanto a Copa América foi disputada pela primeira vez em 1916, a primeira Eurocopa foi disputada em 1960.
O problema são os campeonatos estaduais ou as suas organizações?
Nessa questão, eu vou analisar os dois campeonatos que motivam grande parte dessa discussão: o Paulista e o Carioca.
O Campeonato Paulista
O Campeonato Paulista parece até organizadinho, mas é um dos campeonatos mais chatos, monótonos e arrastados do Brasil. Desde 2011, o Paulista é disputado com uma fase classificatória, com os clubes organizados em grupos, onde os primeiros colocados se classificam para a fase final disputada no formato de torneio a partir das quartas-de-final. Esse formato também foi utilizado em 2003 e 2004.
Quando você tem uma fase classificatória onde quase nunca os quatro principais clubes de São Paulo deixam de se classificar para a fase final, isso significa que a fase classificatória é completamente inútil. Ou seja, seria melhor colocar os quatro grandes de São Paulo direto nas quartas-de-final e abrir espaço para outros quatro clubes pequenos na fase classificatória. De forma alguma eu estou dizendo que essa é a solução, pois o que estou fazendo é mostrar a inutilidade da fórmula de disputa do Campeonato Paulista.
Para que se tenha uma noção, nas 16 edições disputadas nesse formato, em 64 classificações possíveis dos 4 grandes de São Paulo, isso só não aconteceu em sete oportunidades: 2003, 2021, 2022 e 2023 com o Santos, e 2004, 2014 e 2024 com o Corinthians.
O Campeonato Carioca
Com relação ao Campeonato Carioca, ele melhorou nos últimos anos, mas não porque ele tenha evoluído, mas porque a fórmula de disputa anterior era o cúmulo da esquizofrenia. De 2004 a 2013, o Campeonato Carioca foi disputado em dois turnos, onde cada turno era decidido em um formato de torneio, com semifinal e final. Uma vez que os vencedores dos turnos eram definidos, se disputava a final do campeonato.
Em 2014 e 2015, o Carioca melhorou, pois ele foi disputado em turno único com os quatro primeiros colocados se classificando para a fase final disputada com semifinal e final. Cabe ressaltar que esse formato já havia sido adotado em 2003.
Em 2016, o campeonato voltou a ficar arrastado, pois foi disputado em dois turnos, sendo o primeiro com 16 clubes e o segundo com 8. Do segundo turno saíram os quatro clubes que disputaram a fase final no formato de torneio, com semifinal e final.
Nas edições de 2017, 2018 e 2019, a FFERJ (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) chegou ao ápice da esquizofrenia com a fórmula de disputa do Carioca. Nessas quatro edições, o campeonato foi disputado em dois turnos, sendo que cada turno era decidido no formato de torneio com semifinal e final. Só que essas três edições trouxeram uma “brilhante” inovação: além das semifinais e finais dos turnos, o campeonato tinha a semifinal da final do campeonato.
Ou seja, a FFERJ desenvolveu um modelo complicadíssimo de se entender baseado em uma hemorragia de semifinais e finais. Em 2018, esse modelo trouxe uma situação esdrúxula: o Flamengo, campeão da Taça Guanabara, e o Fluminense, campeão da Taça Rio, ficaram de fora da final do campeonato, que foi decidido por Botafogo e Vasco, que não haviam vencido nenhum dos dois turnos. Isso foi motivo de chacota.
Em 2020, a FFERJ ressuscitou o formato adotado entre 2004 e 2013: dois turnos, com cada turno sendo decidido no formato de torneio com semifinal e final, com os ganhadores dos turnos fazendo a final do campeonato.
A partir de 2021, a FFERJ adotou o formato que já havia sido adotado em 2003, 2014 e 2015: uma fase classificatória em turno único com os quatro primeiros colocados se classificando para a fase final disputada no formato de torneio, com semifinal e final.
O Carioca melhorou? Sim, ele melhorou, mas isso porque antes ele era simplesmente horroroso.
Ok, mas e a solução para os campeonatos estaduais?
A solução dos campeonatos estaduais, principalmente do Paulista e do Carioca, passa pela sua simplificação, racionalização e encurtamento. Diga-se de passagem, essa solução está nas próprias histórias dos dois campeonatos: os pontos corridos.
Com esse sistema, todos os jogos, desde a primeira rodada, são importantes para a conquista do campeonato. Se um clube vacila, suas chances de conquistá-lo se complicam, pois não existe essa história de se classificar em último e ainda sim poder vencê-lo.
Um ponto importante, mas que não é levantado pela imprensa esportiva, que não sabe porque não pesquisa, e por isso fala um monte de besteiras, é que o Campeonato Carioca, até 1971, e o Campeonato Paulista, até 1972, eram disputados, com raríssimas exceções, mas com muitas variações, no formato de pontos corridos. Depois de 1972, a Federação Paulista voltou a utilizar os pontos corridos nas edições de 1976, 1984, 1994, 2002, 2005 e 2006.
No Rio, depois de 1971, a Federação recorreu aos pontos corridos em 1979 e 1995, só que nas suas fases finais. Diga-se de passagem, aqui eu entro de forma mais assertiva no formato ideal para os campeonatos Paulista e Carioca: 8 clubes, pontos corridos, turno e returno, 14 datas. Além desse formato ter sido utilizado nas edições de 19793, 4 e 19954, ele já havia sido adotado nas edições de 19614, 19665, 19675, 19685, 19695, 19705 e 19714. Com exceção de 1961 e 1968, quando o Botafogo sobrou nas duas fases finais, todos os demais foram decididos na penúltima ou na última rodada do Octogonal Final.
Logicamente, os campeonatos de São Paulo e do Rio não se resumiriam a quatro clubes grandes e quatro clubes pequenos. Na verdade, o campeonato poderia ser mais longo para os pequenos, muitos dos quais ficam sem calendário após o estadual, pois não participam das divisões do brasileiro e nem da Copa do Brasil (e mesmo que participassem, dificilmente passariam das primeiras fases), mas a fase final, com a participação dos grandes, seria no formato proposto. Ou seja, a primeira fase do estadual indicaria os quatro pequenos que fariam a final, por pontos corridos, contra os quatro grandes.
Para que os estaduais possam sobreviver, é preciso adotar os pontos corridos. O próprio Campeonato Brasileiro, que vai para a sua vigésima terceira edição por pontos corridos, é prova disso. Para isso, as federações precisam largar essa ideia antiquada e ultrapassada de que uma profusão de quartas-de-final, semifinais e finais dão emoção ao campeonato. Não dão. O que dá emoção é um campeonato curto, objetivo, onde todas as partidas são importantes. Os torcedores sabem distinguir isso, já que eles não são burros.
Notas:
1 O campeonato paraense chegou a ser disputado em 1906, mas não terminou. A edição de 1908 foi a primeira que efetivamente terminou, sendo ela conquistada pelo extinto União Esportiva;
2 A Copa Sul-Americana foi disputada pela primeira vez em 2003, mas antes disso nós tivemos a Copa Conmebol, disputada de 1992 a 1999, e as Copas Mercosul e Merconorte (praticamente desconhecida no Brasil), disputadas entre 1998 e 2001;
3 Em 1979, o Campeonato teve duas edições no mesmo ano, ambas vencidas pelo Flamengo. A edição decidida no formato de Octogonal Final foi a segunda, disputada entre mai/1979 e nov/1979;
4 Em 1961, 1971, 1979 e 1995, a fase final, no formato de Octogonal Final, foi disputada em dois turnos;
5 Em 1966, 1967, 1968, 1969 e 1970, a fase final, no formato de Octogonal Final, foi disputada em turno único.