O Mercosul completa 30 anos, mas o pacto comercial com a União Europeia parece fadado a não ver a luz. Após 20 anos de negociações e um acordo geral alcançado somente em 2019, as partes ainda não estão convencidas e muito provavelmente não estarão em curto prazo. Pelo contrário, há quem diga estar disposto a desfazer tudo, principalmente na Europa.
As negociações do Mercosul com a UE tiveram início no ano 2000 e passaram por diferentes fases, alternando períodos de impasse com acelerações. A UE é o principal parceiro de investimento do Mercosul, com um volume que quase triplicou, desde o ano 2000, ultrapassando os € 350 bilhões, e é o seu segundo maior parceiro comercial, depois da China. Dados pré-pandêmicos mostram que, em 2019, as exportações da UE para os países do Mercosul totalizaram € 41 bilhões, enquanto as importações da UE totalizaram € 35,9 bilhões.
Em 2016, após a eleição de Donald Trump para a Casa Branca, a União Europeia, empurrada nos braços de seus parceiros sul-americanos, pelo lançamento da política Buy American, renovou o processo de negociação com o Mercosul até o dia 28 de junho de 2019, com um acordo político de pacto comercial.
O acordo alcançado pela Comissão Europeia – definido como “um momento histórico”, pelo então presidente, Jean-Claude Juncker, prevê a criação de um mercado de 800 milhões de consumidores, com a produção de um quarto do PIB mundial e a redução de cerca de € 4 bilhões de taxas entre os dois blocos, com um acordo que segue duas linhas: a exportação de produtos da UE – que até então enfrentavam tarifas altas e por vezes proibitivas, como automóveis (tarifa de 35%), maquinários (14-20 %) e produtos químicos (até 18%) – e a importação de produtos agrícolas e alimentares do Mercosul, com a redução de 80% dos impostos, sobre 99% dos produtos que entram na Europa.
Apesar do entusiasmo inicial, no entanto, o clima foi esfriando, gradualmente, até alcançar, hoje, o ponto de distância máxima entre os dois lados. Enquanto o acordo passa por revisão legal, visando a ratificação, mais de um estado da UE revelou sua intenção de vetá-lo e a oposição ao acordo comercial cresceu dentro do Parlamento Europeu.
Depois da Irlanda, a França também declarou que não tem intenção de endossar o acordo “como está”, preocupada com o destino da floresta amazônica tropical e, menos explicitamente, com a ameaça da carne bovina sul-americana para as exportações francesas. Também devem ser consideradas as relações, nada cordiais, entre o presidente francês Emmanuel Macron e o presidente Jair Bolsonaro.
Recentemente, o “não” também veio da Áustria de Sebastian Kurz, pressionada pelo componente verde que apoia o governo: o chanceler disse que viu o acordo como uma ameaça à credibilidade europeia em questões ambientais.
O empenho diplomático de Portugal parece ter sido em vão, país que, por outro lado, gostaria de concluir as negociações finais até junho e que tem se mostrado não só o maior apoiador das relações entre os dois blocos comerciais, mas ultimamente, talvez, também, como o único. Além de tentar compactar as fileiras entre os europeus, a diplomacia portuguesa se viu obrigada, igualmente, a reavivar as intenções do Brasil e da Argentina.
A presidência de Bolsonaro, a cujo trabalho os europeus atribuem as dificuldades para fechar o acordo, não faz segredo de sua política nacionalista na Amazônia, enquanto na Argentina, atual presidente do Mercosul, a alternância de governo levou à presidência Alberto Fernández, de centro-esquerda, deixando o político muito crítico do pacto.
A Argentina denunciou, repetidamente, um suposto “desequilíbrio” a favor da UE neste acordo e suas intenções de renegociar algumas partes o incitam a sair das negociações. O embaixador argentino junto à UE, Pablo Grinspun, porém, disse que o país “continua decidido” a finalizar o acordo, mas alertou que o processo se encontra “em fase particularmente difícil”. Em todo caso, embora existam precedentes, seria impensável chegar a uma conclusão do pacto sem o consentimento da Argentina. Bem como a hipótese de pedir ao Mercosul maiores compromissos ambientais com acordos separados.
O momento para uma mudança, porém, é curto: a presidência portuguesa expira em junho. A nova presidência da Eslovênia, por sua vez, tem outras prioridades, e 2022 terá a França como protagonista, não exatamente a maior apoiadora do acordo. Por fim, há que se considerar que o impasse – senão o fracasso – das tratativas possa abrir espaço para outros atores, já presentes e animados na América Latina, como a China, prontos para assumir o lugar da UE nos fluxos comerciais com o Mercosul.
Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália) e editor da revista Italiamiga.
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