Violência patrimonial contra crianças e adolescentes

Violência patrimonial contra menores: direitos na maioridade e o caso Larissa Manoela em debate. Por Letícia Soster Arrosi

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Leticia Arrosi, escritora de A guerra como fator de renegociação de contratos

Menores de idade, muitas vezes, têm os seus direitos patrimoniais cobiçados por quem deveria protegê-los, sejam estes direitos oriundos de heranças, pensões alimentícias ou da exploração de sua própria imagem ou voz.

Trata-se de um tema sensível, principalmente quando envolve a imagem, o qual tem sido debatido cada vez mais diante do avanço das redes sociais na sociedade da comunicação. De fato, crianças e adolescentes não são considerados plenamente capazes pela lei, tendo, por óbvio, a sua incapacidade de gerir suas vidas e recursos financeiros. Logo, seus pais, guardiões ou representantes legais detêm o poder de decisão acerca de seus patrimônios.

Ocorre que, quando se trata de direitos e recursos financeiros de propriedade de menores de idade, qualquer que seja a sua fonte, os pais ou representantes legais não podem utilizá-los em benefício próprio ou se apropriar desses direitos — muito menos buscar controlar os direitos e recursos desses menores após a sua maioridade civil, sem sua autorização ou, caso esses menores, agora adultos, simplesmente não queiram.

Há poucos dias, repercutiu na mídia a decisão judicial acerca da “anulação” de um contrato vitalício em nome de Larissa Manoela, firmado pelos representantes legais enquanto a mesma era menor de idade, com uma produtora.

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Na verdade, o contrato não foi anulado pela Justiça. Em análise da sentença de primeiro grau, verifica-se que a anulação sequer fez parte do pedido. Foi requerido o encerramento do contrato com a produtora, e que esta fosse obrigada pela Justiça a entregar todo o material fonográfico produzido durante a vigência do mesmo, bem como os direitos patrimoniais decorrentes dessas produções, além de logins e senhas de redes sociais, e ainda indenização por danos morais.

Pela leitura da sentença judicial, proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Regional da Barra da Tijuca no processo nº 0816294-10.2024.8.19.0209, verifica-se que a produtora não discordou da rescisão. Porém, um dos motivos que deu ensejo ao processo judicial foi a absurda exigência da produtora quanto à anuência dos pais de Larissa Manoela para o rompimento do vínculo, o que é juridicamente descabido, considerando sua emancipação aos 16 anos, como consta na decisão:

Passando adiante, analisando o contrato e o aditamento (inds. 117778737 e 117778739), verifico que, de fato, a autora era menor de idade à época da celebração do contrato original (2012), sendo representada por seus genitores e, quando do aditamento (2017), já era emancipada, conforme admitido pela própria ré em contestação e confirmado pela autora em réplica. Note-se que os pais da autora não eram partes no contrato, mas unicamente representantes. Ou seja, o que se pretende rescindir aqui é o contrato que já fora aditado pela própria autora enquanto pessoa plenamente capaz. Nesse sentido, a exigência da ré de anuência dos genitores da autora para a rescisão contratual mostra-se descabida e não encontra amparo legal. A autora tem plena legitimidade para buscar a rescisão do contrato, independentemente da concordância de seus pais, nos termos do art. 5º do Código Civil, que estabelece que a incapacidade civil cessará pela maioridade ou pela emancipação concedida pelos pais. Assim, no que tange ao pedido de rescisão contratual, a autora manifestou sua intenção de resilir o contrato por meio de notificação extrajudicial (ind. 117778740), o que é admitido pelo ordenamento jurídico, conforme o art. 473 do Código Civil. Ademais, a própria ré demonstrou concordância com a rescisão, conforme se extrai do e-mail de ind. 117778741 e de sua contestação, restando controvertida apenas a necessidade de anuência dos genitores.

Não é a primeira vez que a mídia noticia o calvário da artista em libertar-se do controle dos pais no que tange à sua carreira e finanças, mesmo adulta. Nessa história, parecem existir batalhas judiciais desnecessárias e desgastantes, criadas por inconformismo quanto à perda desse controle financeiro e da gestão de direitos personalíssimos, como o de imagem e voz.

Na sociedade, o respeito dos representantes legais aos direitos patrimoniais dos menores de idade, bem como a aceitação da assunção do controle disso por parte deles após a maioridade, deveriam ser presumidos. Os representantes legais devem atuar com cautela, objetivando tão somente iluminar o percurso e permitir que esses jovens caminhem com suas próprias pernas após a emancipação ou maioridade, usufruindo do patrimônio que construíram — ou por sorte herdaram — durante sua infância e adolescência.

De outro lado, parceiros comerciais desses menores deveriam também agir com maior flexibilidade para remanejar os contratos e dar o devido suporte, bem como as devidas satisfações e prestações a eles quando assumirem as rédeas de suas vidas e patrimônios, com o advento da maioridade.

Letícia Soster Arrosi, advogada, doutora em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual, mestre em Direito Privado com ênfase em Contratos e especialista em Processo Civil, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

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