Winchell globalizado

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O famoso colunista político Walther Winchell, entrevistado na TV sobre sua rotina de trabalho, disse que acordava às 8 da manhã e escrevia imediatamente sua coluna.
– E o quê o senhor faz durante o resto do dia?, quis saber o entrevistador.
– Dou um jeito para que as coisas se passem exatamente como as escrevi.
A boutade escondia uma observação impressionantemente exata sobre a natureza ambígua do jornalismo, que, fingindo descrever o que acontece, faz acontecer. Desde que o mundo é mundo, a transmissão de notícias é um dos principais fatores causais que determinam o curso da História. Os historiadores nunca duvidaram disso. “A informação, que dá aos homens no mais das vezes seu conhecimento do mundo exterior, determina portanto em grande parte a sua ação”, anota Yves Renouard no manual L”Histoire et ses Méthodes, que todo estudante de História consultou pelo menos uma vez na vida. Embora a força determinante das informações seja assim uma obviedade sacramentada pelo consenso cientítico, a imprensa ainda se resguarda por trás do mito da sua inocência de mero registro: quem age são os outros; ela não interfere, só toma nota. A invisibilidade, dizia René Guénon, faz parte da natureza mesma do poder.
Quando o poder fica à mostra, das duas uma: ou é o começo do seu fim ou então é que ele já pode se mostrar sem risco porque seus dominados se tornaram ainda mais cegos do que sempre foram. Qual dessas duas hipóteses está se realizando é o que me pergunto quando vejo que jornais e revistas importantes vão largando de mão todo disfarce noticioso e passam, sem o menor constrangimento, a dar ordens ao curso da História.
O Globo, por exemplo, anuncia todo dia que o recolhimento das armas dos cidadãos cariocas será – notem bem: será, no futuro – um grande passo para o controle do banditismo. Isso não é uma notícia: é uma ordem. O jornal quer que as coisas sejam assim, e escreve que serão para que seus leitores, rebaixados a seguidores, façam com que seja.
Mas o mais belo exemplo de interferência descarada que já vi são os 12 fulaninhos escolhidos pela revista Time para brilhar nos céus do Brasil no começo do século XXI. Nomeados “líderes do terceiro milênio”, como se destinados a durar mil anos a exemplo do famoso Terceiro Rech que durou 12, eles são, com toda a evidência, profecias auto-realizáveis. Estão lá não porque têm a liderança do país, mas para que venham a tê-la.
Time, adiantando-se aos acontecimentos, deseja tornar vitalmente importantes para o destino do nosso país essas 12 criaturas que, a rigor, não têm importância nenhuma e não possuem substância espiritual bastante para produzir uma mudança de resultado num jogo de futebol de botão.
Não por coincidência, é essa mesma falta de conteúdo próprio que as torna aptas ao desempenho dos papéis em que a revista Time ordena que o Brasil as aceite. Pois cada palavra e cada ato dessas pessoas é, meticulosamente, um fiel traslado local do programa da Nova Ordem Mundial. Do programa, não. De parte dele. Cada uma repetindo uma parte do script, a atuação conjunta de seus desacordos aparentes produzirá sinergicamente o efeito desejado: a conversão do Brasil num entreposto dócil, mantido em estado de satisfação pela lisonja universal à pujança, à criatividade e até mesmo – por que não? – à rebeldia de seus líderes, porque aí até a simulação de rebeldia está calculada para o mais esplêndido sucesso do conjunto.
O governador Garotinho, por exemplo, desarma o povo sem desarmar os bandidos, tornando onipotentes as redes mundiais do tráfico contra as quais teremos então de pedir ajuda internacional, enquanto Carlinhos Brown desnacionaliza os ritmos musicais, o padre Marcelo fornece às multidões um Ersatz de cristianismo bem ao estilo “Nova Era”, Gilmar Mauro mobiliza os sem-terra para tornar inviáveis os grandes empreendimentos agrícolas e facilitar sua compra pelas multinacionais, Patrícia Melo produz o gênero de subliteratura que transformará nossas letras em produtos mundialmente comercializáveis, etc. etc. Tudo, enfim, corre às mil maravilhas para que a futura história do Brasil se integre harmoniosamente na Nova Ordem Mundial.
Que funciona, funciona. O ibope dessas pessoas subiu formidavelmente após as bênçãos da Time. O establishment midiático adestrou o público tão bem, que já pode contar com sua obediência automática. Jornais, revistas e TV tornaram-se uma imensa máquina de realizar suas próprias profecias.

Olavo de Carvalho
Escritor

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