XINGAR OU INTERPRETAR A CONTRA-REVOLUÇÃO DO PT

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Estamos diante de um movimento contra-revolucionário gestado no laboratório do PT, partido que, dentre outros, também chamou a si a condução do processo transformador do país sonhado pela esquerda brasileira, – intelectuais e movimentos de massa, – expressivos atores da cultura nacional contemporânea. ( “PT ou a esquerda no poder” a 26.11.03, nesta coluna.)
E contra-revolucionário porque efetuado por militantes afoitos que, ao perderem o contato com a realidade brasileira, supuseram possível conduzir o processo revolucionário como peça de marketing – vendendo a “revolução” embrulhada em celofane rosa, tipo “sem-medo-de-ser-feliz” – aliando-a, tal estratégia, à conquista da máquina do Estado para dela extrair recursos necessários à conquista de cadeiras no Congresso, ou por alianças com deputados à direita, risco desvendado, ou para aventuras eleitorais.
E por que aventuras eleitorais? Porque, no caso do PT, o distanciamento que tomou de suas propostas clássicas, por si só, contém o elemento alterador dos temas do próximo debate eleitoral entre o Partido e seus eleitores, muitos dos quais, após o esforço individual e histórico de perderem o tal “medo-de-ser-feliz”, não lograram colher frutos políticos daí derivados. Pois as leis que o PT encaminhou e aprovou neste Congresso, inda que cooptando financeiramente deputados da frente aliada com os recursos partidários, engordados pela dívida bancária de R$ 90 milhões contraída, em conjunto, com o empresário Marcos Valério e suas quase 40 empresas.
Imaginei outrora, (“A dialética da dívida e o PT”, 12.03.03) que o PT faria a “passagem” da economia do país de seu estágio atual, neoliberal, ao resgate de seus fundamentos sociais e históricos, expandidos no período militar, em crescente reapreciação na área econômica, sobretudo tal gestão de Geisel, enfaticamente nacionalista e que muito aprendeu como Presidente da Petrobras por quase 5 anos.
A “passagem” mínima envolveria gradual modificação das práticas macro-financeiras do país: restrição seletiva da liberdade de remessa de recursos ao exterior; nova gestão da dívida interna, com emissão de títulos a prazos e juros diferenciados, reduzindo-se substantivamente os de curto prazo; alongamento da dívida externa com a troca simples de títulos, sem qualquer calote, inda que a Argentina tenha provado o contrário e com sucesso. Aos bancos públicos a obrigatoriedade da redução de seus “spreads” bancários, induzindo posteriormente a rede privada a fazê-lo competitivamente. Quanto à produção de empregos, lacuna central da economia brasileira, programas populares e simples de habitação auxiliariam em sua reversão, como fez o governo militar.
Candidamente supus, ao lado de muitos outros analistas, que tal “passagem” exigiria cautelas necessárias para evitar um processo de obstrução junto às forças conservadoras do Congresso, desembocando em ameaças maiores ao Presidente, um “impeachment” mesmo. (“A dívida e a militância: da ortodoxia ao Parlamento”, 17.03.04, nesta coluna, onde menciono tal risco.) Mas esta não foi a pauta levada pelo PT ao Congresso.
A vitória de Lula, fruto da militância (410 mil e 2003 x 830 mil militantes hoje) e do “marketing” político (com as agências de publicidade), turvou a percepção dos analistas do Partido os quais, abandonando o caminho político evolucionista, concluíram – à semelhança dos esquerdistas assessores do governo de João Goulart de 1962 a 1964 – ter chegado a hora de fincar o pé no acelerador da revolução e conquistar os diversos poderes da Federação a qualquer custo ou preço, como revelam as operações financeiras desvendadas pelas CPMIs e Polícia Federal.
A ascensão de João Goulart em 1961 ao poder era legítima porquanto Vice-Presidente eleito. Sua simpatia pela esquerda, advinda da formação getulista e de atuação sindical, dificultava-lhe o trânsito político junto às forças conservadoras, agravado, topicamente com sua viagem à China, no mesmo agosto de 61 da renúncia do Presidente Jânio Quadros.  A solução conservadora para absorvê-lo no Poder Executivo,mandatário eleito, fôra a implantação do parlamentarismo, reduzindo-lhe casuisticamente o poder sob o manto da conservação da  legalidade.
A campanha posterior, pelo retorno ao presidencialismo, triunfante no plebiscito de 1962, apoiada por toda a nação, também cegou intelectuais e políticos da esquerda brasileira de então, muitos alojados no poder de órgãos públicos, Institutos de Previdência e Ministérios, notadamente os do Trabalho e da Educação. Pensaram, inadvertidamente, que a nação estava pronta a dar os passos de Cuba, diferentes, aliás, das intenções iniciais de Fidel Castro quando comparadas a seu percurso político posterior. Obviamente o país estava distante de uma guinada à esquerda, malgrado o choro contínuo daqueles intelectuais da esquerda que, até hoje, prosseguem cultivando a idéia de injustiça da história na revolução de 1964. Na verdade, não souberam interpretá-la adequadamente, supondo ser tal erro de cálculo um mérito, recalcado durante o período militar, mas resgatado hoje, via o “núcleo duro”dos companheiros e heróis em armas, co-criadores da “ética” revolucionária do PT.
A insatisfação com a realidade é essencial para modificá-la. Mas tal atitude existencial tangencia postura psicológica de aversão à realidade, escondendo-a. Algum militante insatisfeito pode ter horror ao trabalho, justificando-o sob a alegação de que não pretende colaborar ao enriquecimento da burguesia. Mas há que trabalhar para seu sustento (redescoberta recente de cacique petista) e manter o sonho de mudança.  
A euforia com a ascensão de Lula se assemelha a da reconquista do presidencialismo por João Goulart. Em ambos os casos a nação buscava reverter um quadro de injustiça e de retorno às demandas populares ou populistas de governo, nos moldes do sistema em parte implantado, e em parte sonhado por Vargas, que FHC, inexperientemente, julgou ultrapassar.
Esta euforia do PT, fruto de má análise da realidade política brasileira, levou-o a investir recursos oriundos dos 830.000 militantes e da rede bancária via Marcos Valério – de 39 a 90 milhões de reais (número em expansão) – apenas à conquista de poder, despreocupado em exercê-lo em prol da população trabalhadora e obreira: aposentados (12 milhões), funcionários públicos e empregados de estatais, atuais e extintas. E também ampliação do poder eleitoral via população de baixa renda, beneficiários das diversas Bolsas assistencialistas, de árdua transparência e pouco ataque ao desemprego.
Parodiando Garrincha, ao PT só faltou combinar com “os russos”, isto é com a Oposição e com Marcos Valério e as 40 empresas, estratégias à campanha da eleição  Congresso Vermelho em 2006. Que não venham os petistas amanhã, à semelhança dos maus analistas da esquerda de 1964, chorar leite derramado, acusando a nação de incompreensão.
Mega-erro de estratégia que, ao alcançar um partido com pretensões revolucionárias e 830.000 militantes, em virtude das derrotas daí derivadas, se transforma em erro contra-revolucionário, a coincidir, aliás, com o aburguesamento acelerado que envolveu muitos “caciques” do PT, sacando avidamente recursos ao caixa 2 de Marcos Valério desde R$ 20 mil, os mais modestos, até cifras impensadas, a seus “comandantes”. E as fontes de recursos ainda não estão claras; ou deveríamos dar ouvidos ao filósofo Olavo de Carvalho?  Alguma razão mais séria terá João Pedro Stédile, ideólogo e líder do MST e conhecedor destes muitos “companheiros” incriminados, ao nos advertir de que o “PT acabou”.
Certamente não acabou, mas trouxe grave prejuízo às esquerdas.

Paulo Guilherme Hostin Sämy
Conselheiro da Abamec e Presidente da AEPI –
Anistiados Interbrás-Petrobras

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