Antes de ser conhecido como o pai do Menino Maluquinho e ícone da literatura infanto-juvenil, o cartunista Ziraldo, falecido no sábado, aos 91 anos, teve atuação marcante como jornalista em defesa de democracia. Durante a ditadura militar, usou seus traços para combater o regime autoritário e defender a liberdade de expressão.
O corpo do desenhista foi velado neste domingo, 7 de abril, data que marca o Dia do Jornalista. O velório foi no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cidade onde o mineiro de Caratinga morreu de causas naturais.
A maior representação de Ziraldo nesse ofício está no jornal “O Pasquim”, que teve o desenhista entre seus fundadores e principais colaboradores. Ao seu lado, nomes como Jaguar, Sérgio Cabral e Tarso de Castro.
O veículo de imprensa circulou nas décadas de 70 e 80 e era uma das resistências à ditadura, tendo enfrentado censura, perseguição e rendido aos seus responsáveis prisões durante o regime de exceção.
“Era o deboche, a piada, a gozação para afetar o regime ditatorial na base do deboche”, lembra o jornalista Marcelo Auler, hoje conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e que compartilhou a redação de “O Pasquim” com Ziraldo a partir de 1974.
“É um outro tipo de jornalismo, muito crítico e sempre de oposição”, classifica. Ele conta que, apesar de repórteres fazerem entrevistas que duravam várias horas, os textos mais longos não eram a característica principal da publicação.
“‘O Pasquim’ era um jornal de piada, de cartum, desenhos. O Henfil, com o seu Fradim, atingia muito mais que muito texto de jornalismo. O Ziraldo, com suas charges, atingia muito mais que muito texto de vários jornalistas”.
O também jornalista Miro Teixeira, ex-deputado federal e ex-ministro das Comunicações, acrescentou que, por meio do tabloide, Ziraldo e a equipe conseguiram fazer chegar à população as violações que estavam sendo acobertadas pela censura de Estado.
“O Pasquim era censurado também, mas conseguia atravessar com a arte algumas brechas deixadas pela ditadura. Foi útil para levar ao povo o conhecimento do que se passava nos cárceres, porque as pessoas não tinham conhecimento, a classe média não tinha conhecimento. Foi graças a pessoas como o Ziraldo que isso chegou ao conhecimento da população”, conta Miro.
O cartunista Ricardo Aroeira aponta legado de Ziraldo em toda a imprensa brasileira.
“Como jornalista, ele abriu três, quatro, seis projetos diferentes que, na verdade, mudaram a linguagem jornalística. Nenhum jornal brasileiro é o mesmo depois de ‘O Pasquim’. O texto do jornal é diferente, a abordagem da reportagem, um certo senso de humor e leveza, isso tudo é Ziraldo”, diz.
Irmão mais novo do cartunista, o designer gráfico Gê Pinto lembrou de um momento difícil da trajetória de Ziraldo, a prisão durante a ditadura. Um dos prováveis motivos foi a participação em “O Pasquim”.
“Eu estava na casa dele no dia em que ele foi preso. Ainda menino, levei um susto danado”, rememora.
“O Ziraldo sempre teve esse compromisso com a liberdade e com a democracia. A gente sentia em cada gesto dele, em cada atitude e nas charges. Foi um orgulho ver como ele foi resistência”, afirma.
Para a cineasta Fabrizia Pinto, filha de Ziraldo, o pai salvou o Brasil do regime militar e enfatizou que Ziraldo não deixou o país no período mais difícil para a imprensa e a sociedade.
“Ele ficou no Brasil para lutar contra a ditadura. Ele lutou com a pena, um papel, ideias pequenas e pérolas. Uma pessoa como essa nunca vai se esvair, não vai embora”.
A diretora do Instituto Ziraldo, Adriana Lins, que também é sobrinha do desenhista, enumera fatores que, em sua visão, forjaram Ziraldo como jornalista.
“Ele é um crítico de costumes, um crítico político, um observador curioso desde o dia em que nasceu. Na hora em que você tem todos esses dons, essa sagacidade, essa curiosidade, essa inteligência, acaba virando jornalista”, afirma.
“Ele fez todo mundo saber de tudo de uma maneira tão sagaz, minimalista, em épocas que não podia se falar tudo às claras”, ressalta a sobrinha. O Instituto Ziraldo é uma instituição que preserva o trabalho intelectual do artista.
Ziraldo frequentava redações antes do começo da ditadura militar, iniciada por um golpe que completou 60 anos em 2024. Em 1954, começou uma página de humor no jornal “A Folha de Minas”. Passou também pelo semanário “O Cruzeiro” – que tinha enorme circulação nacional – e pelo “Jornal do Brasil”. O mineiro também trabalhou na revista “Pif-Paf”, dirigida por Millôr Fernandes.
Após a redemocratização, Ziraldo acreditou em mais projetos editorais, como as revistas “Palavra” e “Bundas” (uma sátira política a “Caras”), as duas em 1999. A segunda ridicularizava o culto a celebridades. Em 2002, lançou “O Pasquim 21”. Era uma tentativa de reviver os tempos áureos do tabloide de oposição. Mas a iniciativa durou apenas até 2004.
O compositor Antônio Pinto, um dos filhos do desenhista, adiantou que existe o objetivo de criar no Rio de Janeiro um centro cultural em homenagem a Ziraldo.
“Meu pai é uma figura enorme, um cara que criou por mais de 70 anos para o Brasil. A gente tem na nossa casa, onde era o estúdio dele, um material vastíssimo, mais de mil desenhos. A gente quer, de alguma maneira, colocar isso para as pessoas verem”.
Outra forma de legado é um desejo antigo da filha Fabrizia Pinto e que mudaria a paisagem do Rio de Janeiro. Uma estátua na orla da praia de Copacabana, onde já há uma homenagem a outro mineiro, o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
“Eu gostaria muito que ele ficasse sentadinho do lado dele, Drummond e meu pai, porque eles se amavam muito, eles eram muito amigos”, pediu, emocionada.
“Nós é que pedimos. Então vamos fazer todas as homenagens que ele merece e não são poucas”, respondeu o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes.
No sábado, dia do falecimento, nota da Editora Melhoramentos divulgou que “se une aos milhões de fãs de Ziraldo na dor pela sua perda. A parceria com este que foi um ícone da literatura infantojuvenil começou há mais de meio século, quando ele ilustrava os livros e materiais de papelaria da editora e, em 1980, ganhou um marco com o mais famoso livro de Ziraldo, o primeiro na parceria com a Melhoramentos: ‘O Menino Maluquinho’. Foi um grande sucesso já em seu lançamento, na Bienal Internacional de São Paulo, e até hoje teve 4 milhões de exemplares comercializados.”
“Os livros de Ziraldo sempre foram sucesso. E o eram de forma natural, pois o que encanta na sua literatura é justamente o fato de ele escrever sem a pretensão de ensinar, porém educando. Ele fala com a criança do ponto de vista dela, com o olhar dela e utiliza o humor como um parceiro da escrita. O Menino Maluquinho, por exemplo, é a criança arteira, ativa, brincalhona. Nunca essa visão perderá o frescor. Ao mesmo tempo, ele mostrava, já naquela época, o quanto era importante deixar a criança ser criança. São aprendizados inestimáveis e necessários de serem perpetuados”, destaca Carolina Alcoforado, diretora da Editora Melhoramentos.
Com alcance nacional e internacional, Ziraldo sempre será um dos maiores nomes da literatura brasileira. Suas ilustrações, histórias, criatividade e bom humor encantaram as gerações depois de 1980. Obras como “O Menino Maluquinho” são grandes marcos da literatura infantil, e deram contribuição inestimável para o incentivo à leitura e democratização do acesso à cultura ainda na infância. Com histórias atemporais, as obras de Ziraldo continuam a receber constantes adaptações, que são essenciais para eternizar a grandiosidade de seu trabalho.
“A capacidade de Ziraldo de equilibrar humor, sensibilidade e temas relevantes o destacaram como um mestre na arte de contar histórias. Sua influência vai além das páginas de seus livros, estendendo-se para gerações de escritores, ilustradores e educadores que encontraram inspiração em sua obra. Embora Ziraldo tenha partido, seu legado permanecerá vivo seus livros e no coração de todos aqueles que tiveram o privilégio de serem tocados por sua obra, que continuará iluminar o caminho de crianças por todo o mundo, incentivando o amor pela leitura e pelo conhecimento”, Alfredo Weiszflog, referência no mercado editorial brasileiro e que esteve 50 anos à frente da Melhoramentos.
Pela Melhoramentos, Ziraldo teve mais de 14 milhões de livro vendidos, incluindo os mais de 4 milhões de O Menino Maluquinho. O artista foi editado no Brasil e em outros 12 países. Os últimos a integrarem essa lista foram Turquia e Coreia do Sul, cujas obras foram lançadas em outubro de 2023, quando o artista completou 91 anos.
Com informações da Agência Brasil
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